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sábado, 7 de março de 2015

A Estrada Que Conspira a Favor


O homem deixava as circunstâncias o levar. Era um homem como todos. Reclamava de como a vida era ruim, com seus baixos prevalentes e com seus altos raríssimos, provavelmente sorte de poucos.

O homem tinha diversos segredos ocultos no seu coração. Sonhava com amores, com castelos, anjos e fantasias; tinha um mundo mágico e oculto dentro de si mesmo, que preferia não dar corda, pois parecia um conto de fadas infantil. Morria de medo de parecer um louco e com isso sofrer rejeição, pois tinha noção de que tudo aquilo era surreal demais para o que presenciava diante da verdadeira realidade.

Vivia frustrado, porque as coisa pareciam nunca dar certo. Tudo o que fazia, fazia sem ânimo, sem motivação. Era um esforço enorme se dedicar a cada caminho que a vida o forçava a seguir. Tinha que trabalhar, que juntar dinheiro. Precisava de um carro, de uma casa. Se não seria apenas mais um na multidão extensa de fracassados.

Recebia cobranças de pais e familiares. Todos pareciam seguros, seguindo o caminho normal e naturalmente. Estavam ganhando o seu dinheiro, casando, tendo filhos; e ele, pobre rapaz, não conseguia nem sequer se concentrar ao fazer um único exercício de faculdade.

Sempre quando tinha um espaço de tempo sem obrigações, aquele velho e conhecido mundo fantasioso começava a bater em sua porta. "Olhe para mim", o mundo parecia dizer. Ele sacudia a cabeça e tornava a pensar no futuro emprego. Precisava se concentrar e largar esses sonhos infantis.

Por mais que se esforçasse em seguir o caminho imposto, não conseguia, e isto o trazia diversos presságios e desejos de morte. Começava a pensar na morte com um caminho até desejável. Talvez fosse melhor do que viver ali, naquele sofrimento constante. Talvez tivesse algo além, livre de toda essa perturbação. Mas parecia também mais uma daquelas fantasias infantis que gritavam em seu coração sempre nos momentos de descanso.

Quando surgiam pessoas em sua vida falando de caminhos iluminados e de felicidades eternas, até preferia não escutar. Pensar nessa possibilidade, na realidade dessas coisas, o fazia sentir mais dor; pois no fundo deseja aquela realidade inalcançável. Então preferia evitar qualquer caminho que comentasse o assunto, mantendo-se sempre alheio e distante a isso.

Passou longos e perturbados anos nessa sequência sem propósitos, até que perdeu completamente o sentido e a esperança de vida. Para que trabalhar? Para que dinheiro? Para que ter coisas? Não ia ser feliz de jeito nenhum, já tinha se convencido disso. Foi aí que começou a dar ouvidos às suas fantasias infantis. Pelo menos elas, em meio a todo esse caos, o faziam sentir alguma pontada de alegria, mesmo que mínima. Dentro daquele seu mundo fantasioso, pensava coisas completamente sem nexo e sem sentido, mas que eram confortantes. Começou a sentir um apreço pela alegria das crianças, começou a se comparar com elas e a desejar o mesmo. Elas sonhavam sem se preocupar com coisas ou pessoas, apenas contentes com suas bobagens surreais. Passou a sentir saudades disso.

A todos encontros sociais que ia, as pessoas falavam sobre as coisas, sobre o trabalho, sobre a casa de praia, sobre filhos; e o rapaz não conseguia nem sequer prestar atenção. Quando abriam a boca, ele via o movimento da boca, mas não estava ali, não conseguia associar uma palavra com a outra. A boca das pessoas se movia, mas o homem não escutava as palavras. Sua mente estava vagando por outro universo.

Começou a sentir repulsa por multidões. Seus sonhos infantis estavam preenchendo a sua cabeça com magia, castelos, fadas e anjos. O mundo de trabalho, carros, gente; estava completamente sem atrativos. Estava desistindo dessa vida e mergulhando numa vida de sonhos, num mundo só dele. As pessoas começaram a criticá-lo constantemente, principalmente os seus entes mais queridos. Queriam aquele outro rapaz de volta, aquele que se preocupava com o seu futuro promissor.

Mas o rapaz não se importava mais com isso. Foi ficando cada vez mais alheio ao mundo. Por alguma razão sem lógica, estava sentindo mais paz assim, distante, do que estava sentindo antes, envolvido no caos da cidade, das pessoas e das coisas. Algumas coisas estranhas estavam acontecendo e ele sabia que não podia comentar com ninguém, se não diriam que era louco.

Em meio ao caos, ao movimento, o homem enxergava coisas que não via antes. Nos bares da cidade, via uma mulher que parecia uma bruxa, caminhando com um silêncio sensual à sua volta. Via adultos que pareciam anjos. Sabia que tudo parecia muito fantasioso, mas sentia algo conversando com o seu coração, com o seu lado interno mais íntimo. O mundo parecia que estava falando com ele, como se existisse um arquiteto escondido por trás das coisas do mundo.

O rapaz começou a mergulhar mais nessa sua curiosidade fantasiosa, e começou a sentir o mundo se aproximando cada vez mais. Sonhava com uma mulher de sapatos pretos, e no outro dia encontrava uma mulher estranha na faculdade, com cabelos pintados na ponta, que despertava a sua atenção. Ela usava o mesmo sapato da mulher do sonho.

Assistia a um filme, e se encantava por uma garotinha de cabelos loiros presos com um rabo de cavalo. Logo que saía à rua, encontrava uma garotinha muito parecida. A semelhança era tão absurda que mesmo o modo de se vestir era igual. Sabia que não podia ser coincidência. O mundo estava falando com ele.

Foi seguindo essa sua curiosidade misteriosa e sentindo o contato do mundo com ele se estreitando a cada dia mais. Tudo o que fazia parte de sua vida antiga começou a se perder ao vento. Foi se afastando de amigos, de romances, de familiares e de expectativas; aquele mundo oculto nas coisas estava encantando o rapaz com um poder sobrenatural.

Por anos, o rapaz foi seguindo esse mesmo caminho, e as portas para um mundo completamente diferente se abriu. Ele passou a trilhar um caminho onde tudo dava certo, onde tudo se encaixava com a maior perfeição. Os anjos existiam, as bruxas existiam, Deus existia. Ele sabia disso, mesmo que ninguém pudesse ver ou acreditar.



~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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