Antes de conhecer a bruxa, tinha algo que se repetia continuamente com o menino e que sempre o conduzia a um sofrimento. Ele ficava sem entender, achando que havia algum problema com ele, porque era o único assim, o único que sentia isso. Mas depois que descobriu que a magia existia, a bruxa o fez entender que não existem fatos isolados, fatos sem sentido; que tudo tem uma razão de existir, mesmo o mais minúsculo dos sentimentos.
O menino tinha um certo complexo: tratava as pessoas como se fossem as únicas no mundo e quando não recebia o mesmo tratamento, começava a sentir uma profunda e perturbadora angústia. Ele queria ser especial. Isso parecia um desejo infantil, ele sabia, e esse saber às vezes o fazia mergulhar em crises, porque era algo que, por mais que tentasse, não conseguia mudar. Estava além do seu controle.
A bruxa falou para nunca entrar em um conflito consigo mesmo e com a sua natureza, que, ao invés disso, perguntasse o porquê, pois disse que para cada detalhezinho da experiência havia uma resposta e que o homem só a encontrava através de um autoquestionamento. Disse que o conflito leva a um movimento circular que consome a energia e que machuca o corpo e a mente, chegando até a enlouquecer alguns; enquanto a pergunta leva ao encontro da resposta, e que esse encontro é sempre iluminador, porque mostra o caminho.
A bruxa contou que todos nascem iguais em carne, mas que em diferentes graus de espírito. Contou que os espíritos têm diferentes caminhos. Alguns são guerreiros, outros são príncipes, outros são trabalhadores. Contou que os guerreiros aprendem a lutar por ideais, defendendo a dignidade do bando. Disse que os príncipes são os grandes amantes, que permitem que o fogo da paixão nunca se apague. E que os trabalhadores sustentam a fundação com suor, dando as condições para que os homens descansem com a mente tranquila. Contou que a depender de qual espírito era cada um, os sentimentos em resposta ao mundo seriam ligeiramente diferentes.
Contou que ele era um espírito de príncipe, e que era por isso que sentia esse sofrimento por não ser tratado como alguém especial. Falou que o sofrimento era amigo e que não deveria jamais ser combatido, porque nunca permitiria que se perdesse. Sempre que estivesse entrando numa via negativa, o sofrimento começaria a tocar a campainha alertando que aquela era uma via ruim. Disse que se fosse inteligente e passasse a ouvir o sofrimento com atenção, reduziria mais do que em dobro a quantidade de tropeços. Assim que o sofrimento mostrasse o primeiro pedaço de sua face, já poderia optar por não ver o restante do seu rosto.
Falou que os espíritos nascem diferentes porque cada um tem um propósito diferente dentro do contexto geral, e que não são os homens quem definem isso, que isso é obra de Deus. Falou que Deus dá um instrumento diferente a cada um para que assim os homens possam tocar a orquestra com profunda harmonia, guiados pela sua Mão. É assim que a música acontece, como acontece com as formigas e com as abelhas. Contou que nenhuma delas é mais importante do que a outra, que ambas estão coexistindo como uma teia - tanto a rainha quanto as operárias. Uma não sobreviveria sem a outra. A rainha precisa das operárias assim como as operárias precisam da rainha, que elas fazem parte de um mesmo contexto. Sem as operárias, o castelo de areia jamais seria construído, porque não haveria a força de trabalho; e que sem a rainha, o castelo não teria como existir, porque não haveria alguém indicando o caminho para a sua construção.
Contou que os homens sofrem porque não buscam a resposta espiritual. Acreditam que tudo é uma questão de sorte. Assim nunca encontram o seu lugar, descobrindo como a existência deles é particular e indispensável ao todo. Quando o homem percebe que sem ele o todo não aconteceria, isso traz muitas alegrias ao homem, porque o faz sentir-se único. Às vezes, essa verdade está bem em frente aos seus olhos, mas é incapacitado de ver porque nunca questiona o que está fazendo aqui e qual é o seu propósito.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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