Ele era um menino bem maluquinho, anormalmente incomum. A cada hora ele aparecia com uma loucura diferente, ninguém conseguia compreender. Sua família acreditava que ele era doido, que devia buscar tratamento. Seus colegas o criticavam.
Se fosse descrever as suas loucuras, um livro poderia ser escrito sobre o menino. Teve anos em que ele dizia ser um anjo, um enviado de Deus para solucionar o problema da terra. Ele contava que o universo estava preparando a sua chegada, que a sua vinda foi profetizada. Contava que alguns filmes falavam sobre ele, que profetas falavam dele, que profecias antigas falavam dele. As pessoas achavam isso completamente insano, mas a opinião alheia parecia não interferir em sua experiência...
Em outra fase, o menino afirmava ser um mago e contava que as pessoas eram cegas porque a magia era real e elas não a viam. Ele começou a falar de magos e a descrever magos antigos. Ele falava da magia como se ele fosse o dono dela. Ele contava que poderia mudar as pessoas com a sua magia, e que a magia era o amor alquímico.
Anos depois, ele começou a falar que era um gênio, que entendia a mente. Ele contava que tinha um sexto sentido, que podia ver o espírito das pessoas, que poderia ler as suas intenções sem nem mesmo elas dizerem. Ele alegava estar além do físico, dizendo que poderia ver as pessoas mesmo à distância.
Logo depois, o menino começou a dizer que era um Rei... E essas maluquices prosseguiram durante toda a sua juventude.
Apesar de as pessoas acreditarem que ele era louco, ele tinha certeza absoluta de que não era e afirmava isso. Com o tempo, as pessoas começaram a aceitar a ideia de que talvez ele não fosse louco, mas a dúvida sempre existiu.
Como é que um louco poderia ter um rendimento excelente? Criar coisas inteligentes? Tirar boas notas? Ser um destaque nas turmas em que estudava?
Como é que um louco poderia ter boa aparência? Ser bem cuidado? Como é que um louco poderia ser compreensível e amável? Sensível e honesto? Não fazia sentido.
Outra curiosidade que despertava as pessoas era que, apesar de parecer insano algumas vezes, tudo o que o garoto dizia fazia certo sentido. As loucuras dele convergiam em um ponto. Suas palavras se encaixavam. Sua loucura tinha um sentido lógico, mesmo que surreal.
Quando o garoto fez sessenta anos, suas loucuras haviam reduzido um pouco de intensidade. Ele, brincando, ainda contava que era um anjo, um gênio, um mago e um Rei... Mas não havia mais um impulso para falar sobre isso. Ele agora parecia mais normal.
Nessa idade, aquele homem possuía uma paz quase mágica. Todo mundo que se aproximava dele sentia um conforto. Estar na presença daquele homem acalentava o coração. Ele era calmo. Ele tinha um amor forte e seguro. As pessoas encontravam-se com ele apenas no intuito de ficarem em silêncio em sua presença, descansando do mundo ali...
Os colegas que o criticavam na juventude começaram a ter problemas nessa idade. Alguns demonstravam traços neuróticos. Alguns tinham acessos de raiva, surtos de depressão. Outros tinham obsessões sexuais; pensavam em sexo e falavam disso o tempo todo, chegava até a ser meio nojento. Outros se tornaram coroas chatos, exigentes; que ficavam pegando no pé dos filhos e dos netos. Outros começaram a demonstrar traços de loucura, de psicose... Distúrbios patológicos...
A paz daquele homem que era chamado de louco em sua juventude começou a passar de boca em boca e a ficar conhecida. Alguns de seus colegas de juventude, curiosos e buscando a solução para os seus problemas, iam até os aposentos do homem para ver o que é que tinha demais na tão falada presença dele. As pessoas estavam contando que a presença daquele homem possuía poderes de cura. O homem contava a eles:
- Olha, hoje eu sou assim porque eu sempre fui fiel à minha alma. Eu tinha plena noção de que algumas coisas que eu dizia eram meio "doidas" mesmo, mas o que eu poderia fazer? Era a minha alma que estava me contando, então eu me sentia no dever de ser fiel a ela e viver a sua verdade.
- Nada do que eu falava e que faziam vocês me chamarem de louco era inventado. Tudo aquilo foi a minha alma quem me revelou, e eu apenas permitia que ela se expressasse honestamente. Talvez fosse por isso que fizesse tanto sentido...
- Naquela época, todos me chamavam de louco. Mas eu em minha experiência particular reparava que loucas eram as pessoas. Eu era meio "sonhador", meio "lunático"... E minha mente era meio "pirada"... Às vezes parecia ter um defeito na lógica dela. Para falar a verdade, minha mente sempre me pareceu meio doida, mas eu sempre me mantive separado dela. Eu via o seu funcionamento, e, mesmo às vezes parecendo não ter sentido, eu permitia que ela fosse do jeito dela. Eu cuidava dela como se cuida de um bebê. Eu a dava suporte.
- Eu reparava que apesar de me chamarem de louco, as pessoas que me chamavam eram quem pareciam ser. Elas machucavam umas às outras. Elas não sabiam amar. Estavam cheias de ódio, de desgosto e de mágoas. Elas colocavam energia em coisas que não tinha sentido nenhum para mim, como ofender uns aos outros e atacar com palavras. Ou como falar mal das coisas, do universo e das pessoas.
- As pessoas me chamavam de louco, mas eu sempre reparei que eu era mesmo é inteligente. Eu mantinha paz. O louco estava em paz e as pessoas normais não. Isso está certo? Não, creio que não...
- O que aconteceu é que eu sempre permiti a minha alma realizar as suas próprias fantasias. Eu busquei ser fiel à sua verdade e permitir que ela se expressasse de forma transparente a vida inteira. Eu cuidava de minha alma como uma mãe cuida de seus filhos. Eu a tratava com muita fidelidade.
- Isso quer dizer que eu não me reprimia, de jeito nenhum! Pelo contrário, eu me permitia. Com o tempo, meu corpo foi ganhando uma paz crescente. Todos os desejos de minha alma eu estava satisfazendo, então ela foi entrando num descanso profundo.
- Vocês estão cheios de neuroses porque vieram reprimindo as próprias fantasias de vocês. Agora, velhos, toda aquela repressão começou a tomar forma no corpo e viraram patologias.
- Diferente de vocês, hoje a minha alma descansa. Quando eu era jovem, ela queria gritar, então eu gritava. Ela queria se fantasiar, então eu me fantasiava. Ela queria chorar, então eu chorava. Ela queria contato com pessoas, então eu buscava contato com pessoas.
- Por isso que hoje ela descansa... Ela não deseja mais muitas coisas. Ela já viveu bastante, agora ela está com um sorriso imenso. Você pode senti-la sorrindo quando se aproxima de mim. Essa alegria que eu passo, essa paz, essa tranquilidade; não é magia, não é bruxaria. É a minha alma que está sorrindo.
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