"Toc, toc, toc..."
- Já vai!!!
~ * ~
A frestinha da porta abriu exibindo aqueles brilhantes olhos castanhos.
- Problemas... - disse o menino para aqueles olhos.
A frestinha fechou e logo em seguida veio o barulho da corrente sendo desamarrada.
O mago abriu a porta para o menino entrar.
O menino atravessou-a e então veio aquela velha sensação de estar em outro lugar... Sempre que ele entrava na torre do mago o lugar estava diferente. Às vezes a mobília estava totalmente trocada de posição, outras vezes apenas algumas peças; mas sempre diferente.
- Por que isso aqui nunca está do mesmo jeito? - Perguntou o menino ao mago.
- Ah, é que eu nunca estou no mesmo lugar, entende? Então a mobília acaba acompanhando... Sai de dentro... É um reflexo do interior... - respondeu enquanto juntava as pontas da corrente e batia o cadeado.
- Vamos - disse o mago caminhando pela sala -, fique à vontade. Eu estava terminando aquela coisa... Mas depois eu continuo - disse juntando as peças que estavam sobre a mesa e colocando-as de volta numa caixa.
O menino foi andando e sentou-se na poltrona.
- Quer alguma coisa?! Água? Um biscoito?
- Não, estou bem - respondeu o menino. - Estou apenas precisando conversar...
- Um segundo...
O mago foi até a outra salinha da torre e veio de lá carregando uma sacolinha... Depois puxou uma cadeira e a arrastou para perto do garoto. Logo em seguida sentou, enfiou uma mão dentro da sacolinha e tirou de lá um salgadinho, cruzando as pernas e levando o salgadinho até a boca...
- Aconteceu alguma coisa? - Perguntou ao menino.
- Não exatamente... - respondeu meio confuso. - É que estou me sentindo estranho...
- Como assim? - Perguntou o mago.
- É que, sabe... Eu sou estranho - respondeu com um tom meio triste.
O mago olhou para ele como se ele tivesse dito alguma bobagem. Então disse:
- Eu já disse que você é um garoto muito especial e inteligente...
- Não, é sério - insistiu o menino. - Eu sou mesmo estranho.
- O que você quer dizer?
- Ah, sei lá... Eu tenho vontade de fazer coisas diferentes, de me vestir diferente... E ninguém é assim - respondeu. - Sempre que estou com outras pessoas eu me sinto um estranho, como um peixe fora d'água, sabe? Como se eu fosse um extraterrestre, alguém de outro mundo... Isso faz eu me sentir muito mal... Eu sinto que as pessoas me julgam.
- Mas você é mesmo estranho, todo mundo é - contou o mago.
- Ah, você não está me entendendo - disse o garoto desapontado.
- Eu estou sim - retrucou o mago. - Olha... Ser diferente não é um mal sinal, pelo contrário, é sinal de que você está sendo honesto consigo mesmo. Todo mundo deveria ser um estranho, alguém totalmente diferente da massa; mas por que parecem todos iguais?... Porque ninguém tem coragem para sê-lo. Poucos são corajosos para ser o que eles são lá no fundo, porque todos sabem que no fundo são estranhos. Todos sabem que há um risco em ser aquele estranho, então ninguém o é...
- É isso o que eu mais admiro em você - apontou para o garoto -, e talvez seja isso que tenha nos dado afinidade... Ambos estamos sendo aquele estranho. Por isso é comum que nos julguem, é um tipo de autodefesa.
- Autodefesa? Como assim? - Perguntou o garoto.
- A maioria sofre por não ter coragem de ser o estranho, por não ter coragem de ser totalmente verdadeiro e congruente com a sua real natureza mais íntima; porque isso faz o coração nunca ficar inteiro. O coração chora por não poder ser verdadeiro e isso leva muito sofrimento ao corpo. Talvez as pessoas não saibam disso... Mas quando elas vêem alguém sendo verdadeiro consigo mesmo, quando elas vêem alguém tendo essa coragem de ser o estranho; há um ressentimento que entra em questão. Mas isso vem de uma dor, é sofrimento...
- Esse ressentimento - continuou o mago - faz o julgamento vir à tona. É uma forma de se defender, entende? É como se isso confortasse a própria dor de não estar sendo aquilo também...
- Faz sentido - disse o menino.
- Alguém que opta por ser o estranho - prosseguiu o mago -, por ser honesto com o próprio coração; está correndo um risco em relação à massa, porque será rejeitado por ela. Isso é física: ação e reação.
- Mas somente aquele que está correndo este risco pode ser feliz, porque somente a ele é aberto um caminho para encontrar o seu lugar.
- Enquanto a massa não está sendo honesta, apesar de não parecer externamente, ela nunca se sente em casa. Está sempre incompleta, meio que perdida, entende? Ninguém está vivendo a sua verdade, então como eles poderiam encontrá-la?
- Aqueles como você - o mago apontou para o garoto -, carregam esse fardo... O fardo de ser a ovelha negra em relação à massa. Isso dói um pouco... Eu sei, porque eu também sou a mesma ovelha negra. Mas somente a nós é dado a oportunidade de encontrar pessoas verdadeiras, porque somente nós estamos sendo verdadeiros. Um atrai o outro. É um risco que vale a pena correr.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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