Ele morava numa residência perto da faculdade onde estudava. A maioria dos residentes dali estudavam na mesma faculdade do rapaz. Deveria morar umas trinta pessoas ou mais naquele lugar.
Ele era um rapaz muito amoroso, querido e inteligente. Mas ele tinha algo muito estranho, chegava até a ser um pouco perturbador. Ele podia estar super carinhoso agora e, dez horas depois, ele estava com a cara amarrada, num canto; parecia estar com raiva, não querendo ninguém por perto.
Isso assustava alguns dos residentes que ali moravam. Eles achavam que o rapaz tinha algum problema, algum distúrbio, porque era algo muito extremo. Ele saltava de um pólo para o outro, e havia muita intensidade em cada expressão, em ambos os pólos.
No começo, quando passou a morar ali, o garoto ficava um pouco preocupado com isso. Ele já se conhecia, sabia como ele era, mas a sua preocupação era o que os outros iriam pensar. Ele tinha medo de que as pessoas achassem que ele era louco.
Então, nos primeiros meses, ele buscava esconder a sua expressão. Ele tentava parecer sempre constante. Quando migrava de um pólo para o outro, ele vestia uma máscara e fingia estar tudo como sempre; normal. Mas isso machucava um pouco o rapaz. Por alguma razão, ele queria que as pessoas notassem as suas polaridades. Ele queria ser visto como ele era. Queria que seus sentimentos fossem conhecidos.
Com o tempo, aos poucos, ele começou a enfrentar os seus medos de acharem que ele era louco e começou a retirar as máscaras. Foi aí que as pessoas começaram a notar mesmo o comportamento um pouco "excêntrico" do rapaz.
Seus colegas de residência se aproximavam dele perguntando o que ele tinha. Eles, parecendo preocupados, diziam que o rapaz deveria buscar tratamento, porque talvez ele fosse bipolar.
Ele sabia que não tinha "problemas", ele se conhecia muito bem. Mas quando as pessoas começavam a falar isso para ele, ele se sentia meio mal, "estranho". Sua mente ficava confusa. Então ele não gostava de ouvir esse tipo de coisa. Inclusive, ele achava que as pessoas é que tinham problemas, por estarem sempre iguais, sempre constantes.
Uma garota, bem próxima a ele, se aproximou dele um dia e perguntou: "ei, por que você é assim? Uma hora tá de um jeito, outra hora tá de outro... Isso não te incomoda?"
Ela parecia muito sincera, genuinamente interessada no estado incomum do rapaz. Sentindo-se confortável para também ser sincero e abrir o jogo, o rapaz contou:
- Olha, eu sou natural. Poucas pessoas o são, então aqueles que são naturais podem parecer estranhos. Por causa disso, por os naturais serem a exceção da regra, os não naturais resolveram rotulá-los como problemáticos. Para eles, as pessoas devem ser constantes, e se não forem, devem se tratar, tomar remédios...
- Se você reparar na natureza, ela é como os naturais são... Inconstante. Uma hora tá chovendo, outra hora tá fazendo sol. E não há um horário fixo para cada coisa. Às vezes dura minutos, às vezes horas e às vezes dias.
- Se você quiser que esteja sempre fazendo sol e forçar a natureza a ser assim... As árvores morrerão, os animais morrerão e ocorrerão diversos tipos de catástrofes. Há toda uma dinâmica associada a essa inconstância, que alimenta a vida e mantém todo o "caos" natural em equilíbrio.
- Eu sou natural, então eu sou como a natureza é. Às vezes estou em tempo de sol, às vezes estou em tempo de chuva. Às vezes, num mesmo dia, eu posso chover e fazer sol. Às vezes a chuva dura dias, às vezes dura apenas algumas horas. Às vezes eu passo meses prevalecendo calor, como no verão; e outras vezes eu passo meses prevalecendo frio, como no inverno. Às vezes estou florescendo, dando muitas flores, como na primavera; e outras vezes as minhas folhas estão caindo, como no outono.
- As pessoas me acham estranho e querem que eu me trate. Mas elas não reparam que eu tenho uma saúde e uma inteligência foras do comum. Os naturais são saudáveis e inteligentes, assim como a natureza é - equilibrada. Aqueles que combatem a natureza, forçando-se a manter um aspecto constante, são antinaturais. Então eles estão sujeitos às pragas e às catástrofes. Eles estão interferindo naquilo que os equilibra, é óbvio que haverá um desequilíbrio e disso surgirão patologias. É por isso que a humanidade está tão doente. As pessoas se tornaram antinaturais.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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