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sábado, 6 de dezembro de 2014

A Magia de Eva



Havia um vilarejo afastado da cidade onde só viviam as crianças. Aquele vilarejo ficava dentro de um bosque. Além das crianças, havia apenas uma árvore anciã que dava frutos e que as alimentavam. A árvore anciã nunca viveu e nem nunca morreu. Ela sempre existiu.

Se os adultos atravessassem aquele bosque eles não conseguiam enxergar o vilarejo. O vilarejo era invisível aos adultos. Os adultos enxergavam as árvores, os frutos, mas não conseguiam enxergar as crianças. Era a magia da árvore. Ela mantinha o vilarejo distante dos adultos para assim preservar a inocência das crianças que cresciam ali.

Sempre quando as crianças faziam sete anos, elas deveriam consultar a árvore anciã. Era a tradição. Nessa idade, a anciã as dava uma orientação quanto ao caminho que deveriam seguir. Aos sete anos, o vilarejo não era mais lugar para elas. Elas deveriam seguir os seus próprios caminhos e instintos.

A idade de sete anos marcava o início de um novo ciclo. A inocência infantil era deixada de lado e as crianças começavam a ganhar um olhar autocrítico, pessoal; que as permitiam fazer escolhas a partir de suas próprias experiências e vontades individuais.

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Duas crianças haviam acabado de completar os sete anos, um menino e uma menina chamados Adão e Eva. Elas arrumaram as suas mochilas de viajem e se despediram das outras. Elas sabiam que não iriam mais voltar. Todas as crianças que completavam sete anos de idade nunca mais eram vistas naquele bosque.

Depois da calorosa despedida, elas foram consultar a árvore anciã. Estavam um pouco ansiosas. Como ninguém nunca voltava, as crianças não faziam ideia alguma de como seria o diálogo. Talvez ela contasse coisas diferentes a cada uma, ou talvez contasse a mesma coisa a todas. Nenhuma delas sabia.

Quando chegaram, a árvore as recebeu de forma calorosa, com o mesmo calor que todas as crianças daquele vilarejo possuíam:

- Bem vindos, meus filhinhos - saudou a anciã. - Chegou a hora de vocês seguirem o caminho de vocês e enfrentarem a insegurança do mundo lá fora. O que eu tenho a dizer é algo muito simples... Saindo daqui vocês encontrarão dois caminhos. O caminho que vocês escolherem seguir decidirá como será a vida de vocês daqui para a frente.

- Seguindo quinze quilômetros a leste - continuou -, vocês encontrarão uma bifurcação. Haverá dois caminhos, e é aí que vocês farão a sua escolha. Há o caminho simples e o caminho complicado.

- O caminho simples levará vocês a terem uma vida confortável. É um caminho que já está pronto, então vocês herdarão o que foi construído dele e assim viverão suas vidas como todos os outros estão vivendo. Vocês serão compreendidos e aceitos com facilidade, porque aprenderão a linguagem e os costumes de seus antecedentes.

- O caminho complicado não é tão confortável como o simples. Ele é um caminho novo, um caminho que ainda não foi trilhado. É um caminho único e pessoal. Vocês enfrentarão trilhas tortuosas em busca de sua própria linguagem e de seus costumes pessoais. Como é um caminho que ainda não foi trilhado, há muitos tesouros que ainda não foram descobertos. Então este caminho, apesar de inicialmente não confortável, poderá levar a grandes riquezas.

- Vão, meus filhinhos - disse carinhosamente. - Chegou a hora de vocês. Sigam a leste até a bifurcação. Não tenham medo. Vocês têm uma luz em seus corações, assim como todos os que nasceram neste vilarejo têm. Ouçam a voz dele e saberão o que fazer.

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Eles saudaram a anciã e se retiraram rumando para leste. No caminho, ambos foram caminhando silenciosos... Eles nunca tinham saído do vilarejo, então era tudo uma novidade. Eles sentiam uma euforia curiosa misturada com um pouco de agitação. Junto com isso havia uma pequena dose de medo... Talvez por estarem deixando tudo para trás. Mas eles sabiam que era assim que tinha que ser. Acontecia com todas as crianças daquele vilarejo.

Depois de caminharem quinze quilômetros, eles haviam chegado finalmente ao fim do bosque. Logo na saída, havia uma bifurcação. Dois caminhos...
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Cada um dos caminhos possuía um aspecto diferente... Havia uma placa na entrada de cada um. No caminho da esquerda, a placa dizia: "Magia". No caminho da direita, a placa dizia: "Realidade".

No caminho da direita - Realidade - havia uma grande cidade. Uma cidade bonita, toda enfeitada. Ela estava cheia de gente caminhando para lá e para cá. Parecia um lugar seguro.

No caminho da esquerda - Magia - havia um grande deserto. Ninguém por perto. As árvores estavam secas, sem nenhuma folha... Era um pouco assustador.

O menino disse para a menina: "vamos", segurando sua mão e puxando-a em direção ao caminho da cidade.

Depois que o menino a puxou num primeiro impulso, a menina resistiu, se desvencilhando do braço dele.

- O que foi? - Perguntou o garoto virando-se para ela.

- Não - respondeu a garota.

- Não, o quê? - Perguntou de novo o menino.

- Eu não quero ir por aí - respondeu a menina.

- Você está louca, menina? - Falou a indignação do garoto. - Você viu o deserto que tem ali?

- Sim, eu vi - respondeu ela. - Mas eu quero ir por ali. Meu coração está mandando.

- Eu não vou deixar você fazer isso - disse o menino segurando novamente no braço da garota. - É perigoso, não há nenhuma segurança.

- Me solte - brigou a menina se desvencilhando outra vez do braço do menino. - Você ouviu a anciã. Ela mandou seguir o coração. Disse que cada um deveria fazer a sua escolha. Então você faz a sua que eu faço a minha. Eu não quero ir para a cidade. Eu observei os dois caminhos e vejo que a cidade é um caminho seguro. Mas depois que li a placa, depois que li "magia", eu tive certeza. Meu coração respondeu à seta. Eu vou pelo deserto.

- Bem - disse o menino se sentindo chateado -, acho que então nos despediremos aqui. A gente cresceu juntos, achei que você tinha alguma noção das coisas...

A garota cruzou os braços e ficou em silêncio.

O menino olhou firme nos olhos dela e estendeu a mão aberta.

- Você não vem mesmo? - Perguntou ele achando que ela tinha mudado de opinião.

- Não - respondeu ela firmemente. - Meu coração já decidiu.

- Então acho que é Adeus... Adeus, Eva...

Logo após terminar a frase, o garoto abaixou a mão e virou as costas, caminhando decidido em direção a cidade. Ele não olhou mais para trás.

Eva ficou assistindo ele se distanciar... Sua mente ficou confusa, ela não conseguia dar nenhuma certeza de que tinha feito a coisa certa.

Então as palavras da anciã ressoaram em sua mente: "Vocês têm uma luz em seus corações, ouçam a voz dele e saberão o que fazer."

Sem nenhuma certeza, Eva ajeitou a mochila nas costas, olhou para o caminho da esquerda, leu mais uma vez a placa - "Magia" - e disse a si mesma:

- Seja o que Deus quiser.

Eva caminhou sozinha em direção ao deserto.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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