Ele sempre foi um menino diferente. Desde pequeno, olhava para os outros e dizia a si mesmo: "eu não sou igual a ninguém". Era mais doce que o comum, mais delicado. Ao chegar perto das pessoas, queria tocá-las, sentir elas de perto. Queria ficar com elas até a vontade não querer mais, como se o tempo ou o mundo simplesmente não existissem. Mas era impossível fazer isso, porque todos tinham coisas a fazer. Se sentia muito estranho... todo mundo estava procurando se dar bem, procurando vencer. E ele só pensava em amor.
Suas vontades eram para lá de esquisitas. Queria colorir o cabelo, deixá-lo crescer até a cintura. Maquiar os olhos, pintar as unhas. Sabia que tudo isso era coisa de menina, todo mundo falava e ele podia ver. Mas era o que o seu coração queria fazer. Toda vez que dava um passo em direção a ele, ao coração, fazendo o que ele queria, era criticado por todos. Era um menino sensível, sofria com isso. Foi ficando cada vez mais retraído.
Toda vez que tentou se ajustar, o sofrimento foi terrível. Aumentava até o ponto de machucar. Não conseguia ser igual aos outros por mais que tentasse. Não foi por falta de tentativa, tentou diversas vezes. Mas sempre a sua alma começava a gritar e ele tinha que se esconder. Todo mundo veria o quanto era um fraco. Não queria ser visto assim, sabia que ninguém gostaria. Todos comentavam o quanto os fortes eram atraentes. Queria ser atraente também. Não queria perder as pessoas. Gostava muito delas.
Depois de muitas tentativas de ajuste, o menino se deu conta de que nunca seria feliz de verdade enquanto não obedecesse as vontades do peito. Um dia, teve a sua atitude mais corajosa. Ele disse: "foda-se. Vou ser eu mesmo. Foda-se o mundo, já sofri demais." Vendou os olhos e começou a fazer tudo o que o seu coração queria fazer. Seu corpo era apenas um palco para as suas vontades.
Foi a pior decisão que teve. Ele pintava os olhos, os cabelos, enfeitava o corpo; e tudo isso era esquisito demais para um garoto. Se via no espelho e se achava lindo. Não estava se vendo, estava vendo o seu coração. Então só via amor. Só que ninguém no mundo poderia aceitá-lo daquele jeito. Era incomum demais. Ninguém queria estar por perto dele, porque estar perto dele significava compactuar com aquilo. Ser visto perto do garoto destruiria a imagem de qualquer um, e ninguém queria isso. Foi extremamente rejeitado, abandonado sozinho. Chorava todas as noites, sem ninguém no mundo estar vendo suas lágrimas. Foi o maior sofrimento que alguém poderia ter passado.
Suas lágrimas eram lágrimas de amor, sua dor também era dor de amor. O menino foi ficando cada vez mais pálido, emagrecendo. Sentia a falta de todo mundo. Seu choro se tornou tão profundo, mas tão profundo mesmo, que parou de sair dos olhos. O seu caminhar se tornou um choro, o seu sentar se tornou um choro, até mesmo o seu falar também era um choro. Suas lágrimas estavam em tudo o que fazia. Começaram a sair de suas mãos, de sua boca, de suas palavras.
Elas começaram a virar coisas. Ele escrevia livros, canções e fazia desenhos. Mas não tinha a quem dá-los, então procurou meios de dar ao mundo inteiro; ou pelo menos a quem os quisesse. Suas lágrimas se espalharam por todo o planeta, e começaram a curar as pessoas. Assim que eram tocadas, elas despertavam amor nos corações adormecidos. Eram as lágrimas mais profundas que o mundo já tinha visto.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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