Tinha um rapaz estranho na cidade. Ele era magro, dava para ver todas as veias dos seus braços. Era esquisito que só. Parecia que não comia direito. Tava sempre andando sozinho, que nem um doido, carregando uns bonequinhos coloridos debaixo dos braços. Ele tinha o cabelo comprido, o que o deixava ainda mais estranho, porque chegava a parecer uma menina.
Um dia, ele parou aos arredores da cidade e começou a coletar umas pedras. Depois sentou no meio do gramado e foi colocando uma pedra sobre a outra. As pessoas passavam ali por perto e riam dele. Parecia um autista, ou sei lá, um doido, coisa assim.
- O que você está fazendo?! - perguntaram os curiosos.
- Estou construindo um castelo - ele respondeu.
O pessoal gargalhou.
- E esse castelo vai ficar pronto quando? - riram mais um pouco. - Quer que contratemos uns carregadores para você? Para buscar mais "pedrinhas"?
O rapaz ignorou, deixou para lá. Sabia que aqueles homens estavam só querendo perturbá-lo, caçoar dele, sem nenhum motivo de real ajuda. Tudo bem, não deveria esperar algo diferente, sabia disso. Eles não entenderiam.
Todo dia o rapaz voltava ali, no gramado, com mais uma dezena de pedrinhas. As colocavam todas juntas, em cima das do dia anterior. Ele não tinha como cimentá-las, porque não tinha cimento, então qualquer vento poderia levar o seu projeto de castelo embora. Tinha que confiar que isso não aconteceria. Parecia a tarefa mais tola de todas.
Num desses dias, uma menina coberta com um pano vermelho passou saltitante, assobiando, carregando flores no braço. Ela reparou naquele menino ali, no meio do campo, sozinho, juntando pedra sobre pedra. Ela foi saltitando até ele.
- Ei, menino, o que cê tá fazendo?!
A voz dela era doce.
- Tô montando um castelo...
- E vai demorar muito? - perguntou ela cutucando o queixo e olhando para o alto.
O tom dela era sincero. Será que também era uma doida?
- Eu não sei direito... - ele respondeu.
A menina dobrou os joelhos e se agachou, ficando na mesma altura dele, que já estava sentado ao gramado.
- E o que está te levando a fazer isso? - ela perguntou.
A voz da garota tinha um calor. Dava vontade de abrir o peito e falar a verdade. Mas não tinha muita certeza se devia fazer isso. Ninguém nunca o havia entendido e a sensação nunca tivera sido boa. Mas sei lá, aquela garota era diferente. Resolveu arriscar.
- Uma voz... - falou hesitante. - Uma voz mandou eu fazer...
- Hum...
- Ela se comunica comigo por vários meios - prosseguiu -, só que ninguém acredita. Acham que eu sou doido, que estou vendo coisas.
A menina riu.
- Eu acredito em você! - ela disse com toda a alegria. - Por que você acha que eu estou vestindo esse manto vermelho e saltitando por aí? Sei que todo mundo vai me achar estranha, maluca, mas conheço alguém que sabe das coisas melhor do que todos eles juntos. Você já pensou em dar algum nome a ela? A essa voz?
- Não...
- Talvez você devesse fazer isso - ela disse. - Você não pode vê-la, mas isso não quer dizer que ela não exista. Ela existe do mesmo jeito que você. Se você começar a tratá-la assim, com carinho, ela pode se aproximar mais, porque vai gostar.
- AI MEU DEUS! - exclamou ela de repente, levando as mãos à boca. - Esqueci as de Jasmim!
A menina levantou depressa e disparou correndo, sem nem sequer olhar para trás. Era como se o menino nunca tivesse existido. Saiu correndo com as mãos na cabeça, segurando o manto vermelho para não voar. Que louca...
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
.