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quarta-feira, 13 de maio de 2015

A Bruxinha das Terras Distantes de Finniland


Ela era uma garota muito tímida. Ficava admirando aquelas mulheres cheias de coragem, que pintavam o cabelo com uma cor chamativa e saíam com os olhos pintados, vestidos compridos, sandálias de brilho; chamando a atenção de todo mundo no caminho. Quando passavam, centenas de olhares curiosos eram despertados. Adoraria estar na pele delas. Era lindo demais. Pareciam bruxas.

Sempre teve vontade de usar maquiagem daquele jeito, de colorir o rosto igual; mas morria de vergonha. Vergonha do que iriam falar, das críticas que poderia receber. Em casa, quando sozinha, pegava o estojo de maquiagem da mãe escondida e se enfeitava toda. Ficava horas se olhando no espelho, se sentindo poderosa. Chegava a tirar várias fotos. Depois que as tirava, ficava namorando-as quase que o dia todo; mas não tinha coragem alguma para mostrar. Vontade? Sim, tinha vontade. Uma vontade dessas incontroláveis. Mas tinha pavor de rejeição.

Quando ia ao shopping passear com a mãe, as duas acabavam voltando com vestidos maravilhosos dentro das sacolas. Sua mãe era um mulherão. Alta, bonitona, jeitosa com as coisas. Sabia se arrumar como ninguém. Vestia uns óculos de tampão escuro que ficavam perfeitos em seu rosto. Tinha muito orgulho da mãe. Ela tinha um feeling natural. 

A mãe sempre estimulava a filha a se arrumar mais um pouquinho. Tentava colocar um pouco de vida no corpo da garota, comprando roupas melhores do que aquelas que ela era acostumada a usar. A menina saía vestindo uns trapos horríveis, dava dó. Umas roupas velhas, rasgadas nos joelhos e nas abas das mangas. Parecia estar usando-as desde os 11 anos de idade. Não aguentava nem mais ver a filha desse jeito, doía. Sabia que não iria atrair atenção de ninguém. Não queria isso para a filha. Queria vê-la encantando o mundo todo e colhendo os frutos que surgiriam com isso.

Os vestidos que compravam juntas eram realmente lindos. Compridões, decotados, com a borda da saia quase que tocando o salto. Mas nunca saíam do armário da filha. No máximo, a menina os vestia em casa para tirar algumas fotos e depois os guardava, sem nem sequer sair do quarto para mostrar o vestido à mãe. Tinha vergonha da família. Medo dos comentários do pai, das piadinhas sem graça do irmão. Quando a mãe perguntava pelo vestido, dizia que não estava desenhando bem a cintura, que tinha engordado um pouco. Mas a verdade era totalmente oposta. O vestido ficava perfeito, e ela sabia disso. Mas essa era a única desculpa que conseguia encontrar na hora para escapar depressa dos comentários da mãe.

Num dia desses qualquer, deitada ao sofá enquanto a sua mãe tomava um café ao lado e assistia ao jornal da tarde, estava lendo um livro que havia comprado há poucos dias. O livro contava uma história antiga, de jovens feiticeiros que se reuniram com o propósito de combater o mal. O livro estava conquistando toda a garotada de sua idade, e eles não paravam de falar do livro. Não queria ficar por fora do assunto, então precisava lê-lo também. Depois que começou a ler, até agradeceu por esse impulso infantil, porque estava experimentando ótimos momentos segurando aquele livro grosso nas mãos. Mal podia imaginar que ler estórias era algo tão gostoso.

Agora mesmo, estava lendo um trecho interessante. O trecho dizia: "o sol estava prestes a cruzar o horizonte e se esconder por trás dos picos nevados das montanhas de Fergur. Precisavam fazer logo o ritual, antes que tudo à volta escurecesse por completo e os campos se tornassem um lugar perigoso, libertando da toca os predadores da noite. Se quisessem mesmo vencer o mal, teriam que superar os medos particulares que cada um veio trazendo desde que se despediram da aliança para iniciar a busca pela matéria prima da criação. Alex puxou a voz e pediu que todos se reunissem. O grupo deu as mãos e consagraram juntos um mesmo juramento. Foi um belo momento. O céu foi mudando de cor enquanto a palavra ia passando na boca de um e um. Juraram, pela vida da bruxaria e as dos demais ali presentes, que jamais, em nenhuma hipótese a partir de agora, escutariam a voz do medo."

Aquele livro era poderoso, estava mexendo com a garota. Não era apenas um livro de historinha infantil. Era um livro de magia. O livro ensinava, através de um conto, a ter coragem e encarar os medos. E ensinava de uma maneira gostosa, porque era uma agradável leitura. Falava de paisagens bonitas, de campos floridos, de entardeceres dourados; e junto com isso um montão de ação numa guerra mágica que abarcava todo o conteúdo. Era perfeito para melhorar a vida de uma geração inteira sem nem sequer fazerem ideia do que estava acontecendo.

Aquele trecho tocou tão profundo a garota que se viu refletida. Não estava tendo coragem alguma para encarar os medos, estava vivendo a mesma situação dos bruxos do livro. Na reunião do grupo, ela era uma das 15 ali reunidas. Quando chegou a sua vez, também fez o juramento. A partir de agora, faria tudo o que o medo a viera impedindo de fazer. Não iria mais dar ouvidos a ele. Jurou perante a todos os seus amigos feiticeiros, ali, à base da montanha, que não seria mais uma vítima do medo. Agora teria que cumprir com o juramento. Era o único modo de contribuir com a magia e assim ajudar a acabar com as forças do mal que assolavam as terras distantes de Finniland.

Nos meses seguintes, sem ninguém compreender o que havia acontecido com a garota, ela mudou radicalmente. Tirou do armário todos os vestidos que vinha relutando em usar e passou a respirar com coragem. Iria usá-los de qualquer jeito. Ainda tinha medo, mas essa era justamente a sua batalha. 

Todo mundo levou um choque quando a garota, de repente, apareceu diferente. O pessoal falou um montão de coisas. O seu irmão falou, os seus primos falaram, e as suas colegas também comentaram; mas ela tentou não ligar. Não era a única combatendo o mal, havia mais uma dezena e meia de bruxos que também estavam combatendo. Não demorou muito e acabou se acostumando com o risco. Estava sentindo um prazer tão enorme em estar fazendo tudo aquilo o que sempre quis fazer, que o medo foi rapidinho caminhando em direção ao vácuo.

Quando se vestiu melhor, quando encarou esse medo, novos impulsos de coragem foram surgindo. Pintava as unhas, maquiava o rosto, e coloria o cabelo com cores que sabia que iria chamar a atenção de todos. Era o que queria fazer, então tinha que fazer. Se não fizesse o que queria, estaria obedecendo à voz do medo e rompendo com o juramento. Não podia fazer isso. Se não fosse por ela, faria pelo juramento.

Apesar de receber algumas críticas, não eram muito convincentes. Em alguns momentos, quando se olhava no espelho do banheiro, conseguia ver uma linda bruxa. Chegava a duvidar da existência de outra garota mais bonita. Deveriam estar com inveja, ciúmes; só podia ser. E ela tinha razão mesmo, porque as críticas não condiziam com o que estava acontecendo. A menina estava mesmo bonita. Alguma coisa nela havia mudado, entrado em sintonia. Começou a vibrar uma beleza fora do comum.

Quando tomou essa coragem, a mudança em sua vida foi tão radical que a garota parecia ter nascido outra vez. Estava vivendo uma vida totalmente diferente agora. Antes, vivia toda murchinha, para baixo, com tristeza; sem vida e sem brilho. Agora estava cheia de graça. Às vezes ficava animada só porque estava prestes a sair de casa. Todo mundo iria notar a sua produção. Estava adorando isso. Se sentia feliz.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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