Um anjo de cabelos compridos desceu do céu e me mostrou a porta do caminho. Ele me disse apenas as seguintes palavras: "se você chegar lá em cima, vai ser muito difícil de voltar, então há o risco de que você abandone tudo o que você tem na terra. Eu sou apenas o mensageiro, vim mostrar-lhe a porta. A decisão de entrar é sua."
Eu me mordi de curiosidade, era muito tentadora a oportunidade de visitar o céu. Eu não entendi muito o que ele quis dizer com ser difícil de voltar, ora bolas, era só refazer o caminho que fiz até lá. Mas naquela hora isso não era o que estava me chamando mais atenção.
Ele viu que eu estava um pouco pensativo e me abandonou ali mesmo, em frente à porta, e foi embora. Tudo o que eu precisava fazer era girar a maçaneta e abrir a porta.
Eu olhava encantado para aquela porta brilhante. A vontade de abri-la era enorme, chego a dizer que era até mais forte do que eu.
Eu olhava encantado para aquela porta brilhante. A vontade de abri-la era enorme, chego a dizer que era até mais forte do que eu.
Então eu não consegui resistir, eu não aguentaria viver a vida inteirinha sabendo que poderia visitar o céu e não visitá-lo. Então eu girei a maçaneta, empurrei a porta, e lá estava eu subindo as escadas.
Enquanto eu subia, fui notando que a cada passo que eu dava mais para cima, eu enxergava tudo com mais beleza. As cores iam ficando mais vivas, os sons dos pássaros mais audíveis, os animais mais belos, e as paisagens e as flores mais estonteantes. As árvores ganhavam aspecto celestial e as rochas pareciam que estavam vivas.
Eu continuei subindo as escadas e agora estava me aproximando das nuvens. A cada degrau novo que subia, uma energia em meu corpo ia tomando forma. Eu a sentia pulsando em mim, cada vez mais. Ela foi confortando meu corpo, como se eu estivesse dentro de um ninho, protegido e seguro. Então eu comecei a sentir uma grande paz; uma paz que crescia com cada passo.
Cheguei então nas nuvens, e continuei subindo. Um grande amor me tocou assim que eu toquei as nuvens. Eu amava tudo; as pessoas, eu, os animais, a vida, os objetos... Então palavras de amor começaram a surgir em minha mente, e eu as soltava no ar. Eu namorava elas. Cada vez que fazia isso eu sentia mais amor. Entrei em um caso de amor com a vida e comigo.
Foi então que cheguei acima das nuvens. Estava no paraíso.
Pisei nas nuvens e me senti novo, recém-nascido. Senti vontade de correr; comecei a correr, sem nenhum propósito. Eu estranhei, mas me era muito familiar. Eu já havia sentido aquilo. Era gostoso correr, me fazia sentir muita alegria.
Senti vontade de pular, comecei então a saltitar enquanto corria. Era gostoso saltar. Eu esticava os braços no ar e girava, várias vezes.
Caí de propósito deitado nas nuvens; eram fofas, macias, então eu comecei a me esfregar nelas com os braços e pernas. Parecia veludo, era uma sensação muito gostosa.
Caí de propósito deitado nas nuvens; eram fofas, macias, então eu comecei a me esfregar nelas com os braços e pernas. Parecia veludo, era uma sensação muito gostosa.
Aquelas sensações eram todas muito familiares a mim, então eu entendi. Eu me sentia assim quando era criança, igualzinho. Eu estava brincando e me divertindo como aqueles tempos, sem nenhum propósito.
Foi então que pisquei os olhos, e nessa fração de segundo, eu estava novamente na terra. Mas eu não estava mais o mesmo. Tudo o que conheci na subida ainda estava ali comigo. Eu ainda sentia aquela alegria, aquele amor, aquela paz, aquela vontade de brincar.
Foi então que sai para dar uma volta e encontrei com meus conhecidos. No momento que nos encontramos, uma sombra desceu como véu sobre meus olhos e eu voltei a ser o que era antes.
As cores perderam vida, meu coração endureceu, minha energia parou de pulsar, e minha vontade de brincar simplesmente morreu. Estava exatamente como antigamente, só que agora era diferente. Depois de ter sentido o toque do paraíso, percebi que aquela sensação antiga agora me doía muito. Eu sabia que tinha a vida, sabia como era vivê-la, e agora eu a estava perdendo. Isso doía infinitamente.
Então, sentindo essa grande dor, me afastei deles e fiquei sozinho, sofrendo a dor. A dor foi progressivamente se dissolvendo enquanto toda a vida, amor, alegria e cor, retornavam. Estava novamente me sentindo contente, novo. Queria correr, cantar, gritar, brincar, beijar, abraçar, fazer poesia... Senti uma tremenda paz.
Então voltei para minha vida.
Quando fazia as coisas que fazia antes de visitar o céu, ou encontrava com as pessoas que conhecia também antes, acontecia aquilo de novo. A dor voltava, até eu ficar sozinho e ela ser novamente dissolvida.
Cada vez que isto acontecia, a dor ficava mais forte e a sensação da vida, quando voltava, também. Mas chegou a um ponto crítico; um ponto em que a dor se tornou insuportável.
Eu não queria mais senti-la de jeito nenhum, doía demais, me trazia a vontade de morrer. Então eu não queria mais fazer as coisas que fazia antes e nem ver as pessoas que eu via. Estava machucando o meu mundo demais.
Então eu finalmente entendi o que o anjo havia me dito; que o único risco era eu abandonar tudo o que eu tinha na terra.
A dor fez eu querer permanecer no paraíso. Para isso eu precisaria cortar tudo aquilo que me retirava dele, ou seja, toda a minha vida antiga precisaria ser cortada.
Apesar de perceber que isso era a coisa mais inteligente a se fazer - pois a sensação da vida pulsante em mim me preenchia completamente, me trazendo grande paz e alegria -, parecia assustador abandonar a tudo e todos.
Viver sozinho? Mesmo com o paraíso em mim, não queria viver só. Mas também não queria a dor forte que estar com as pessoas estava me fazendo sentir.
Então o anjo me fez uma nova visita.
Ele me contou que eu não ficaria sozinho no paraíso, porque se eu encontrasse com outra pessoa que também houvera conhecido ele, não haveria dor, pelo contrário, a sensação da vida se multiplicaria em milhares de vezes com o encontro.
Eu imaginei algo tremendamente mágico, toda aquela experiência que eu estava vivenciando já era mágica à beça. Então perguntei a ele como eu poderia encontrar alguém que também houvera visitado o paraíso como eu.
Ele me disse que antes de tudo eu precisaria abandonar todos os caminhos que me retiravam dele e que me faziam sentir dor, porque eles estavam me mantendo preso à terra. Então que, fechando essa porta, eu abriria totalmente a do céu.
Então me disse também que com a porta do céu aberta, e a da terra fechada, eu encontraria pessoas que também estivessem com a porta do céu aberta. Disse que simplesmente aconteceria. Que eu poderia mesmo ficar sentado e parado na grama que aconteceria.
Foi então o que fiz. Abandonei todos os caminhos antigos. Fechei minha porta deles para sempre.
Algo novo aconteceu; a dor está me deixando. Há uma esperança descomunal ganhando vida no lugar dela, parece mais um sentimento de confiança.
Estou a cada dia mais sozinho e a cada dia me sentindo mais vivo. A cada dia sinto mais amor. Algo está crescendo, alguma coisa está para acontecer muito em breve. Eu posso ver, eu posso sentir o vento.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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