Por dentro da casca, a guerra civil
Ele olha para os lados, não quer sair mais do quarto. O mundo parece duro demais. Só cimento, rocha, patrão, empregado, cobrança, desconfiança, grito, resistência, dor, raiva, ódio, competição, dinheiro, ignorância, incompreensão. Com toda essa insanidade vêm drogas, bebidas, acidentes, doenças, mortes, crimes, estupros, violência, agressão familiar. As pessoas vivem estressadas, brigando o dia todo, lutando noite e dia. Como podem ser felizes? Lutam para acordar, lutam para trabalhar, lutam para dormir; lutam até para relaxar e se divertir. Como podem ter alegria? Precisam de escapes, fugirem da agonia.
O que o menino pode fazer na cidade? Não
tem espaço para amor, ele está sempre sendo destruído. O mundo já está todo preenchido, e o amor só vem do espaço, do vazio. Será que o mundo está correto?
E o menino quem está incerto? Porque as pessoas têm sempre certeza de que as
coisas são mesmo assim? Mesmo se sentindo ruins, elas reclamam, mas continuam. Aceitam, mas não duvidam. Se todas as gerações passadas foram assim, porque a minha será
diferente? - Elas pensam. - Não tem lógica, o mundo é mesmo assim.
Eu confio é no menino, mesmo estando nós dois
sozinhos. Olhando de fora, tudo parece loucura. Ninguém questiona, as pessoas
parecem sempre seguras. Será que um dia as coisas irão mudar? Mesmo sem ninguém
dando passos remando contra o mar?
Se eu estou construindo um prédio que desaba, então eu sei que ele desaba. Então eu idealizo que se construísse um prédio diferente, ele não iria cair. Mas eu não faço nada, eu só penso e continuo construindo o prédio que vai cair; porque eu caí ali, foi destino, não posso mudar, só posso continuar. O que irá acontecer? Será que algum dia será construído o prédio que não cai?
Se eu estou construindo um prédio que desaba, então eu sei que ele desaba. Então eu idealizo que se construísse um prédio diferente, ele não iria cair. Mas eu não faço nada, eu só penso e continuo construindo o prédio que vai cair; porque eu caí ali, foi destino, não posso mudar, só posso continuar. O que irá acontecer? Será que algum dia será construído o prédio que não cai?
Então o menino fica no seu quarto, ele não
quer sair. Há tantos leões querendo comer ele, que ali parece o único lugar
seguro para se ficar. Mas o menino não quer ficar sozinho, então ele segue
orando para encontrar outro menino. Porque ele enxerga a loucura, mas parece
que ninguém vê. E é tão simples, é a verdade do ser.
Como posso ter paz se tem sempre alguém me
empurrando pra luta? Como posso ter paz se eu fui ensinado a cobrar de mim
mesmo? A única coisa que vem da cobrança é luta, culpa. Com a culpa vem dor,
tristeza; se sentir inútil, imprestável. Você começa a se depreciar, porque
começa a se comparar com aqueles que parecem fortes e que estão sempre seguros
na sua luta; que aprenderam a se cobrar e a espremer todo o suco de si mesmos.
Mas você só enxerga a casca deles; e eles
dão banho na casca, eles penteiam a casca, eles passam perfume na casca, eles
arrumam a casca; então a casca parece bela, chama a sua atenção: - eu quero
ter aquilo, quero ser assim. Mas você não é o único que vê a casca, todo mundo
enxerga, e todo mundo a elogia. Então você fica cada vez mais convicto de que a
casca é real.
Mas você não enxerga o que está por dentro. Por dentro da casca há luta. Há alguém que está sempre correndo, se esforçando, brigando consigo mesmo, cobrando, tenso, enrugado. E quanto mais esse interior luta e tem elogios de fora, mais ele tem que lutar para manter sua casca elogiada. Ele cria seu próprio inferno, um inferno que não tem saída, porque ele não pode mais parar de lutar, porque se não toda a sua luta cairá por terra. A sua casca só é vista assim tão bela pelos outros porque ela esteve sempre em movimento, sempre lutando, sempre correndo atrás. Então ela não pode parar, porque agora ela é reconhecida pela batalha, pela luta. Se ela parar de lutar, ela perderá toda a sua popularidade.
Mas você não enxerga o que está por dentro. Por dentro da casca há luta. Há alguém que está sempre correndo, se esforçando, brigando consigo mesmo, cobrando, tenso, enrugado. E quanto mais esse interior luta e tem elogios de fora, mais ele tem que lutar para manter sua casca elogiada. Ele cria seu próprio inferno, um inferno que não tem saída, porque ele não pode mais parar de lutar, porque se não toda a sua luta cairá por terra. A sua casca só é vista assim tão bela pelos outros porque ela esteve sempre em movimento, sempre lutando, sempre correndo atrás. Então ela não pode parar, porque agora ela é reconhecida pela batalha, pela luta. Se ela parar de lutar, ela perderá toda a sua popularidade.
As vezes ela ri sem ter vontade, trabalha
sem ter vontade, abraça sem ter vontade, da a mão sem ter vontade, ama sem ter
vontade, da conselhos sem ter vontade, ensina sem ter vontade, beija sem ter vontade, orienta sem ter
vontade, estuda sem ter vontade, compra sem ter vontade, se veste sem ter
vontade, conta piadas sem ter vontade, cria sem ter vontade, analisa sem ter
vontade, julga sem ter vontade, vive sem ter vontade.
Ela não está no céu, está no inferno
particular. E as pessoas que enxergam sua casca, imaginam que ela está no céu. Então começam a seguir seus passos rumo ao inferno pessoal, porque ela parece
um exemplo de vida. E ela sustenta isso, ela sustenta ser o exemplo. Ela não
tem culpa, ela entrou num beco sem saída. Se ela parar, vai desapontar o mundo
inteiro. Aquele mundo que sempre aprovou sua luta, sua guerra. Aquele mundo que
sempre disse: "- você é foda!" Ela caiu na armadilha do mundo, sem saber as consequências
que surgiriam disso.
Talvez ela esteja descobrindo agora,
talvez não; mas algum dia isso irá acontecer. Algum dia o reflexo da luta será sentido no corpo, porque as
dores começarão. Algum dia as energias da guerra começarão a vir para a superfície, começarão a
se materializar, porque foi isso que ela criou - essa é sua criação. A luta, a
guerra, a corrida, a batalha.
~* Palavras que saem da Boca *~