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terça-feira, 11 de junho de 2013

O Abismo do Peito

O Abismo do Peito




     Quando o seu peito se abrir por dentro, e a dor surgir, não haverá escapatória. Do mesmo jeito que a dor veio, ela irá embora, mas enquanto ela está presente, não há escapatória. Não é uma dor física, então não existe algo que de fato esteja causando a sua dor, a dor está ali. Então existe a dor, e existe você, aquele que tentará manipular a dor.
     Você, aquele que observa a dor, certamente tentará manipulá-la, porque ela vem como furacão. Você sentirá um penhasco se abrindo por dentro, como se a gravidade estivesse sugando toda a sua energia vital para dentro do peito, uma gravidade que vem do centro do peito. Não é nada agradável. Você se sentirá no pior lugar do mundo, no inferno. Você não quer encarar aquilo, até a morte parecerá mais bem vinda. Você desejará a morte, desejará o fim de sua existência. É uma agonia profunda, parece o fim do mundo.
     Você procurará razões para a sua dor, e talvez elas existam, mas a dor está ali, com a razão ou não, ela está presente, e não vem de você especificamente, porque não é física. Se você olhar diretamente para ela, poderá encontrar ela sendo conectada a alguns pensamentos, talvez alguém, talvez uma situação; mas ela em si, a dor, não tem conectividade com nada específico. Ela não tem qualidade, ela é ela nela mesma. Ela apenas está ali, presente e viva.
     Quando você está amando, você sente aquela sensação quente no peito, gostosa, um conforto, e pensa no agente que parece estar causando aquela sensação em você, a pessoa amada. Mas se você entrar mais profundamente na sensação, verás que ela não vem da pessoa amada, vem da própria vida. Não existe um nome vinculado àquela sensação, ela é pura. É apenas uma energia que chamamos de amor, porque ela nos aquece por dentro. O encontro de vocês pode ter gerado ela em ambos, mas ninguém é o "culpado" dela. Ela surgiu, um presente.
     A dor também surgiu, como um presente. Um presente infernal, mas um presente porque veio sem você pedir. É o seu teste de fogo. A sua provação. Você poderá associar a dor com o seu objeto de amor, e poderá cair numa armadilha muito perigosa, que é procurar a solução da dor, agredindo o seu objeto de amor, que parece ser quem está causando a dor. 
Eu caí nela.
     Se você estiver atento, poderá perceber um animal surgindo em você. Alguém que não é a dor, porque está de certa forma separado (existe a dor, e esse alguém), alguém que acha que deve te defender daquela dor, dor que só irá realmente embora quando tiver que ir, não levando em consideração se você se esforça ou não em se livrar dela. Talvez quanto mais você se esforce, se desvie, mais tempo a dor permanecerá ali; pois ela é como um sangramento, tem que sangrar. Tem que esvaziar, tem que ser sentida. Então como você pode estar associando a sua dor, com o objeto amado, esse animal poderá surgir como um mecanismo de auto-defesa seu, e ele poderá vir como raiva, querendo agredir ou culpar o seu amado.
     Tome muito cuidado, porque assim que a dor passar, passará também a agonia, e todo aquele sofrimento e angústia. Você estará limpo e renovado. Pronto para amar de novo. Se você cair na armadilha do animal, de agredir o objeto amado, você poderá criar uma nova camada de dor, que agora foi criada por você mesmo e acrescentará valor àquela dor que já existia. Agora você perdeu a oportunidade de aprender com a dor e deixar ela passar, porque você causou uma nova dor. Transferiu ela para frente, e também para o objeto de amor. Então, no momento que a dor passaria, agora existe algo a mais. A dor vai passar, mas você causou um estrago no romance. E esse estrago será o seu visitante, que não existiria se você apenas aguardasse o dia amanhecer, levando a noite escura embora.
     Atente ao seguinte, você pode agredir o seu objeto amado, tanto verbalmente, jogando o peso da culpa sobre ele, ou psicologicamente, criando um mecanismo de defesa em você, um escudo, que estará presente e virá à superfície no próximo encontro de vocês. Tenha muita atenção e vigilância, porque se você não tiver, o escudo poderá estar sendo construído inconscientemente, um mecanismo automático. Ele é nocivo. Destruirá o romance.
     Falo agora, depois que a noite passou. Mas enquanto ela estava presente aqui, eu era um assassino. Queria matar a vida, queria matar a dor, queria morrer. Queria desesperadamente a solução, e agora que passou, e que fiz o possível para não cair em tentação, a dor parece ilusão. A tentação veio, o animal veio, eu fiz o máximo que pude para segurá-lo e não deixá-lo agir, assim a dor não deixou rastros, não criou novos filhos. Mas eu tive que olhar para ela de frente, encará-la, porque a função do animal é fugir dela. Fugindo, ela continuará viva. Estará apenas escondida aguardando a próxima brecha. Encarando-a de frente, a noite escura irá passar sem rastros, mas uma agonia profunda você sentirá. Visitará o inferno, onde cada minuto parecerá uma eternidade. Coragem será preciso, mas todos já nascemos com ela. 

     Se você se entregar a ela, sem resistir, sem interferir, sem agredir, sem criar mais dor; ou seja, senti-la totalmente, parecendo o inferno ou não - ela abrirá seu coração. Você se tornará mais gentil, mais amoroso, manso e dócil. E isso é belo, pois essa gentileza fará morada em seu ser, então você será gentil também consigo mesmo. Descansará em sua gentileza. 
     Se você quiser um conselho de amigo: deite, feche os olhos, respire e mergulhe na dor. Dê as boas vindas a seu inferno interior. Não estou dizendo que será fácil, será muito doloroso, o caminho mais doloroso que você irá tomar - será desesperador. Há milhares de caminhos mais fáceis, mas somente esse será transformador. A borboleta pronta quebrando o casulo para voar, ou o ovo chocando para dar vida ao pássaro; as famosas dores do parto.
     Não se engane, a dor não é ilusão, ela é real. Ela parecerá ilusão somente depois que passar, pois ela não estará mais aí.


~* Palavras que saem da Boca