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terça-feira, 28 de maio de 2013

O Rio que deságua no Mar


     O Rio que deságua no Mar




     Era uma bela manha de sol, e o jovem guerreiro do Rei tinha finalmente tomado coragem para visitar o mago. Ele estava um pouco apreensivo, pois ouvira dizer que o mago é imprevisível. "Nunca se sabe se ele te abraçará ou se gritará com você" - era o que diziam. Mas ele conhecia duas outras pessoas que disseram que quando passaram a entender o mago, foi a melhor coisa que poderia ocorrer em suas vidas e que jamais iria acontecer algo parecido, porque aquilo era a porta para todas as outras coisas boas que a vida podia trazer.
     O entendimento é uma porta mágica. Através dela, todo o resto do mundo se abre. O mago costumava compará-la à Caixa de Pandora; a caixa misteriosa que tudo contém, e que, uma vez aberta, tudo que estava do outro lado dela seria trago a essa realidade.
     Mas ele estava apreensivo mesmo assim, visitar um ser humano que não tinha padrões era uma ideia assustadora. Era como visitar um leão selvagem; ele é calmo, mas nunca se sabe o que ele irá fazer. Só que a vontade de visitá-lo já era maior do que esse medo. Se todos melhoravam de forma inimaginável - como diziam - suas vidas depois de entrarem no caminho do mago, ele também queria entrar e provar aquele sabor "do céu", como era comum ouvir o mago dizer.
     Então o rapaz, mesmo com o nervosismo presente, começou a fazer sua mochila de viajem. Geralmente as pessoas que se encontravam com o mago, costumavam passar uma breve temporada por lá, então ele colocou roupa o suficiente para passar sete dias. Bagagem pronta, colocou o seu melhor roupão, para estar bem apresentado, vestiu sua armadura de ferro, colou a espada na bainha, e partiu.

     Chegando próximo ao castelo do mago, o rapaz começou a ficar inquieto. Parecia que tinha alguma coisa querendo invadi-lo, era uma sensação muito estranha, como se aquilo quisesse levá-lo embora de seu corpo, quisesse-o fazer se perder de si mesmo.
      Quando chegou ao jardim, aquilo começou a se tornar insuportável, pois ficava cada vez mais forte a medida que ele chegava mais perto do castelo. A sensação que ele tinha era a de que, se não se segurasse em si mesmo, iria desmaiar, perder a sanidade, ou no caso extremo até morrer. Mas ele não era maluco; se não tinha nada ali visível, então aquilo não poderia ser real, deveria ser somente coisa de sua cabeça, logo iria passar. Só que quanto mais ele ia se aproximando do castelo, mais forte aquele incomodo ia se tornando. Era como se aquilo estivesse vindo diretamente do castelo. Mas o rapaz era um guerreiro, um guerreiro astuto; não seria qualquer incomodo que iria derrubá-lo ou fazê-lo desviar. Ele se manteve firme em sua posição e não permitiu que aquilo o invadisse.
     Quando entrou no castelo, foi diretamente à procura do mago perguntando a uma das pessoas que moravam ali onde é que ele estava. Lhe disseram que poderia encontrá-lo na sala de música, e foi para lá que ele se dirigiu. - a inquietação ainda se fazia presente.
     Quando chegou na sala de música, o mago estava cantarolando e dançando com três outros jovens, duas moças e  um rapaz, e quando ele entrou, o mago o recebeu dizendo:

- Meu rapaz, meu rapaz... Veio cantarolar conosco, ou o que me traz?
- Mago, eu vim em busca do caminho supremo! - disse o rapaz enchendo o peito de orgulho.
- Sério meu rapaz? É uma pena - disse o mago desapontado -, pois eu ofereço só o caminho que segue diminuindo. Você terá que procurar na cidade, talvez lá alguém saiba te guiar neste caminho que te torna um dos grandes.
- Não mago. - disse em tom de culpa - Me desculpe, eu procuro o seu caminho...
- Você não pode vir no meu caminho, aqui andamos descalço. - o mago estava de botas, e o rapaz olhou para seus pés desconfiado - Não se surpreenda se eu lhe disser que estou sem roupas, mas eu estou completamente nu! - ele estava vestindo três camadas de roupa, uma por cima da outra - Você enxerga minhas roupas, mas elas não estão em mim.
- O que você quer dizer? - disse o rapaz em tom de desaprovação. Ele estava pensando: "esse cara é maluco".
- O que eu quero dizer é que você tem muita bagagem, eu não posso chegar até você assim. Você precisa se despir.
- Eu não vou tirar minha roupa - disse ficando irritado - isso é maluquice! O máximo que posso fazer é retirar minha mochila - e ao mesmo tempo em que dizia, foi retirando ela dos ombros e colocando-a no chão.
- Meu jovem... - disse o mago mudando o tom de voz e chamando-lhe atenção - No caminho você só poderá vir por inteiro. Se você vier pela metade, ficará no meio da estrada. Devo lhe alertar que no meio da estrada você está perdido. Você não pode ir nem para um lado, e nem para o outro. Ficará maluco.
- O que eu posso fazer então? Só tirarei minha roupa se vocês fizerem isso também. Não farei isso sozinho. Tenho honra, sou guerreiro, não irei fazer papel de tolo.
- Nós já estamos sem roupa. - disse sorrindo. Todos estavam vestidos, e muito bem vestidos. - Você não. Além dessa armadura pesada que carrega, há duzentas mil vestimentas por trás. Deixa eu te explicar melhor. Você deve estar ciente de que o caminho do mago é o caminho do amor, não é mesmo? - ele confirmou com a cabeça - Pois bem, o amor vai querer te levar, e se você estiver com muita bagagem, perderá o trem e ficará no meio da estrada.
- Mago, perdoe-me. - disse humildemente - Eu não consigo entender.
- Você só vai me entender se você retirar a roupa. Se o fizer, o entendimento será instantâneo, pois irei imediatamente entrar em você. - disse sério em tom sugestivo, mas rindo por dentro, pois sabia no que ele iria pensar.
- Se afaste de mim! - disse desembainhando sua espada e apontando-a para o mago - Você é insano!
- Ha, ha, ha. - o mago caiu na gargalhada - Amigo, guarde a espada, foi só uma brincadeira. Vou te explicar melhor: o que você sentiu logo quando se aproximou do castelo?

     Ele se assustou. Não era possível que o mago sabia daquilo. Aquela inquietação era só coisa de sua cabeça, nervosismo talvez, será que o mago era vidente?

- Eu não sou vidente. - prosseguiu o mago como se tivesse lido seus pensamentos - É que isso acontece com todos os que chegam aqui pesados, cheios de bagagem. Eles não querem se livrar delas, e por ser assim, sentem essa inquietação agoniante. O amor não pode entrar em você se você estiver resistindo a ele, e esse é o papel que você, bagageiro, faz muito bem. O amor levará você para suas próprias águas, como um rio que está sendo levado ao mar. O rio não faz ideia alguma do caminho que ele está seguindo, mas ele continua indo e desaguar no mar é uma certeza. A bagagem é como uma represa no caminho desse rio. Se você a colocar no meio do caminho, o rio parará de fluir e deixará de ser um rio. Você é o rio, e o seu passado é a sua bagagem, a sua represa. Você segura tanta coisa aí que o rio não pode te levar. Assim você está deixando de ser o rio, perdendo a oportunidade, e nunca conhecendo o mar.
     Aqui cultivamos um ambiente de amor - continuou o mago -, e você pode sentir a vibração dele quando se aproxima do castelo. Aqui ele está poderoso, pois temos muita gente sustentando-o, e a bagagem não consegue resistir por muito tempo à sua força. Aqui ela não tem poder como tem na cidade. O amor é a força mais arrebatadora que o mundo já conheceu. Ele carrega a pessoa embora com toda a sua bagagem e o seu passado, deixando apenas a água de seu próprio rio fluindo em direção ao mar. O amor leva embora o controle e passa a se tornar quem você é. O amor se torna o guia, a luz, e você é apenas o seguidor. Mas quem se torna o rio, descobre uma segurança inimaginável em estar sendo levado por ele, pois ele sempre irá desaguar no mar.
     A inquietação que você está sentindo é porque você está resistindo e se segurando em sua própria bagagem. O amor não pode entrar em você assim, porque ele tomará conta de você por completo. Você desaparecerá nele. Mas para isso acontecer, você precisa primeiro se despir, deixar que sua bagagem vá embora, e se perder no amor, deixando que ele te carregue.
     Estamos todos perdidos aqui, não estamos? - disse o mago acenando para seus três amigos, que confirmaram com a cabeça - Mas pergunte se algum de nós quer voltar para a bagagem? - e os três fizeram cara de nojo e balançaram a cabeça negativamente.
     Perdidos somos ricos, com bagagem somos mendigos. E a diferença é tão grande que eu posso comparar uma formiga com um tiranossauro rex. - e os três balançaram a cabeça positivamente, e um deles disse: - Tiranossauro rex ainda é pequeno, senhor! - o mago riu, e confirmou:
- É verdade.












~* Palavras que saem da Boca