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quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Castelo Voador

     O Castelo Voador




     Já tinham se passado uns 5 meses que se encontrava com o mago, visitando-o três vezes por semana, em média. No primeiro encontro, ele ficou encantado com o mago, porque o mago falava de Deus, e do amor, como se entendesse bem do assunto. Isso despertou imensamente a sua atenção, pois como coincidência, era exatamente aquilo que ele vinha buscando nesta temporada de sua vida.
     Nos primeiros encontros, o menino se sentia muito bem. As palavras do mago traziam paz. Algo nelas ressoava no menino e o tocava profundamente. Mas - sempre tem um mas -, passados esses primeiros momentos, as coisas começaram a mudar. A presença do mago em sua vida passou de paz a dor. Os encontros com o mago passaram a trazer agitação e incerteza, e o menino tinha absoluta convicção de que isso não era coisa divina. Aprendeu durante toda a sua vida que "Deus é luz, é paz, é amor".
     Então o mago não era real, ele era o falso profeta. O senhor das trevas que vem para confundir. Então, revoltado com a descoberta da real identidade do mago, calçou suas botas de couro, vestiu sua armadura, e penetrou nervoso floresta adentro à caça do mago. Mas - olha ele aí de novo -, por mais incrível que possa parecer, o mago estava logo às portas da floresta, completamente nu...

- Até que fim! - disse o mago - Estou a horas te esperando, porque demorou tanto?
- O que você está fazendo pelado? - disse o menino assustado. Aquela visão causou tanto choque que o menino tinha até esquecido o porque de ter entrado ali.
- Ah sim... Bem, presumi que você viria com tanta bagagem que resolvi causar-lhe um susto. Assim você ficaria presente e largaria sem querer boa parte da bagagem que veio carregando...

     Então o menino se lembrou da razão de estar ali e, novamente, as contrações do nervosismo surgiram em sua face.

- Eu não confio mais em você. Você fala em Deus, em amor, e ultimamente tudo que você tem me trago é dor. Todas aquelas palavras foram para me enganar e agora eu vim te desmascarar. Você não é real, você é o filho das trevas!
- Ufa cara, finalmente você me desmascarou, já estava demorando. Veja: estou completamente nu! Não tenho mais uma máscara sequer. Nunca fui nada daquilo que você imaginava que eu fosse, e não sou nada daquilo que você chama de "Real". Para mim isso é tudo fantasia, e eu já acreditei nelas também, mas então eu acordei. Agora eu não acredito, não há fantasias, eu vejo. E sim, sou filho das trevas, porque nasci delas. Como a fenix renasce das cinzas, a luz renasce da escuridão. Se não houvesse a escuridão, e se eu não tivesse descoberto o que ela de fato é, não haveria possibilidades desta conversa estar ocorrendo. Você me desmascarou, isso é bom, menos uma crença. Mas você ainda não descobriu o segredo.
- Não tente virar o jogo. - disse ainda irritado - Eu sei quem você é, falso profeta!
- Menino, isso você realmente não sabe. Se você soubesse quem sou, não estaria mais buscando aquilo que eu sou, pois sou parte de você. Estou em você, mas você não está em mim. Não existe o profeta, só existe a profecia. Quando a profecia veio, é porque o profeta já morreu.

     Era impossível questionar a realidade do mago. Ele sempre tinha uma resposta, e sua resposta cortava profundamente o questionador, a ponto dele não saber mais o que dizer. O menino ainda estava com raiva, e precisava descarregá-la, e o mago entendia isso. O menino continuou: "eu não acredito em você - com lágrimas nos olhos - eu não aguento mais isso. Eu não consigo dizer nada a você, você sempre tem razão, ou me faz entender que eu não tenho. Eu me sinto um lixo, alguém que não sabe de nada. Fraco, humilhado, medíocre. - e as lágrimas aumentando, a raiva se tornando desespero - Eu não aguento mais mago, eu não aguento mais..."
     E o menino se jogou sentado num tronco de árvore com força, completamente entregue, soluçando e derramando lágrimas. Cruzou os braços sobre as pernas, e escondeu a face chorando e dizendo: - por favor mago, me ajude... por favor, me ajude...
     O mago se sentiu profundamente tocado por aquele momento, e postou-se a chorar também. Sentou-se próximo ao menino, baixou a cabeça, e um rio de lágrimas começou a escorrer de seus olhos. As lágrimas foram formando uma pequena poça de água cristalina sobre a grama, que envolveram os dois num temporal de emoções. O menino de cabeça baixa chorava cada vez mais, cada vez mais... e ele ia se tornando cada vez mais leve... cada vez mais leve... E então ele - sem razão - resolveu levantar a cabeça.

- O que é isso? - disse espantado. Quando ele levantou a cabeça, ele percebeu que estava flutuando. Olhou para baixo e podia ver a floresta a quilômetros de distância. De onde estava ele podia ver o rio que atravessava a floresta, podia ver a cidade, e também o mar e as montanhas. Era uma linda visão. Ele olhou para o mago, e percebeu que agora o mago possuía longas asas nas costas. Aquelas asas brilhavam, e formavam uma aura de luz à sua volta. As asas estavam segurando ambos no ar.

- Filhinho - disse com um tom muito dócil -, eu te trouxe até aqui em cima para que você entenda uma coisa. Eu não posso causar-lhe dor, não sou eu quem faço isso. Eu tenho muito amor por você. Ver você sentindo dor, me faz sentir talvez 10 vezes mais do que você. Mas eu não as recuso. Eu sinto dor por amar. Minha dor é luz.
  Quando começamos a nos encontrar - continuou -, Eu mostrei-te minhas asas e você pegou uma breve carona nelas. Então você voou comigo por uns instantes e aquilo te fez muito bem, te trouxe paz e tranquilidade. Você desejou ter asas também. Só que as asas crescem a partir de um dado momento da vida em que abrimos o espaço para este evento. Quando eu te trouxe de volta para a terra, você teve uma amostra do que é voar. Como você não conseguia mais aquela sensação, você ficou frustrado num primeiro momento. Mas essa frustração é boa, ela é o cimento para a construção de suas próprias asas. E é bom você construí-las, porque você deve ser independente e parar de pegar carona com outros anjos. Você tem que voar por si só, para poder voar a todo momento. Você também é um anjo, um anjo sem asas. Mas o potencial está ai, está em todos.
  Quando a gente abre o espaço para que as asas cresçam - e fazemos isso desejando-as - passamos por um primeiro período turbulento e doloroso. É uma nova vida que está vindo, e as novas asas terão que partir nossa pele primeiro antes de saírem para fora. É como um parto, o surgimento de uma nova vida. A mãe que está dando lugar ao nascimento, sente dores, porque seu corpo está se abrindo para o mundo receber o filho. Mas depois que o filho nasceu, ela nem se lembra mais das dores, e até agradece por ter passado por tudo isso, porque a benção de ter a nova vida em suas mãos pagou toda e qualquer dor.
  Conosco acontece o mesmo, nossas asas são o amor. Quando elas decidem nascer, agente sente um pouco de dor, e isso parece prosseguir por um tempo. Se entréguemos ao processo, e atentos, veremos que na mesma proporção em que a dor vem, o coração se torna cada vez mais leve, e mais amoroso. Quando as asas estiverem então totalmente crescidas, o amor começa a decolar. E então toda a dor que se sente, se torna alegria, porque se descobre que ela, inevitavelmente, construiu um castelo ao seu redor. Um castelo mágico. Um castelo que voa.
  


~* Palavras que saem da Boca