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sábado, 26 de abril de 2014

Características de Um Mago Crescido


- Está sempre consciente do que o corpo está fazendo. Atento e presente junto a cada movimento.

- Está sentindo o corpo respirar com bastante frequência.

- Gosta muito de sua própria presença, o que o faz bastante seletivo quanto a com quem compartilhá-la.

- Não aceita maus tratos. Na verdade, é como se eles fossem indigestos ao mago.

- Prefere uma boa companhia à multidões.

- Não lida muito bem com assuntos do mundo, não há interesse. Coisas como política, polícia, crimes, leis, esportes e etc.

- Sente forte conexão, atração e amor pela natureza.

- É apaixonado pela beleza humana.

- Possui uma estranha sensação de que compreende tudo e todos.

- É intuitivo e criativo.

- Reconhece as pessoas apenas com um simples contato. Um olhar, um aperto de mãos ou uma simples aproximação.

- É bastante sensível e valoriza a sensibilidade como o valor máximo.

- Possui forte ligação com o mundo artístico. Desenhos, imagens, filmes, pinturas, livros, música, e etc.

- É forte e constante a presença de sincronismo ("coincidências") nos eventos cotidianos de sua vida.

- Confia em seus instintos.

- Sente forte atração e curiosidade pelo mistério que atua em sua vida, o que o faz investigar a natureza e origem dele.

- Sabe que é diferente dos outros de uma forma especial.

- Sente forte intimidade com seres iluminados, como cristo, buda e outros.

- Não julga ninguém. Possui uma mente tão aberta que não tem portas.

- Enxerga além das palavras e do físico.

- Escuta as necessidades de seu corpo com muito respeito a atenção.

- É benevolente, honesto, íntimo e sábio.

- Sente estar vivendo em um mundo totalmente diferente daquele que ouve falar e que vê na tv.

- Confia em si mesmo e em sua vida.

- Valoriza a inocência de espírito.

- Não precisa que ninguém o diga o que fazer. Na verdade, dizer ou não, não faz diferença. Suas ações partem de algo impessoal dentro dele mesmo.

- Não suporta o conflito e costuma se afastar de tudo que interfere no seu bem estar.

- Possui forte tendência em se afastar de pessoas que não correspondem harmonicamente com ele, seja quem forem.

- Sente forte incômodo em locais que, por alguma razão, não pode ser ele mesmo.

- Geralmente, possui algum interesse natural em levar a magia adiante.

- Sente que é uma peça importante no universo.

- Se sente deslocado e impotente com frequência em reuniões sociais.

- Muitas pessoas acham que ele é louco.

- Normalmente, nem sua própria família o compreende.

- Não considera a família de sangue uma estrutura rígida.

- Geralmente, é bastante sonhador e aprecia isso.

- Tem pensamento grande. O que costuma contrastar com o das pessoas ao redor.

- Sente prazer em estar vivo.

- Possui um mundo único e particular dentro de si mesmo.

- É inconstante no que sente, mas confia que tudo tem um propósito.

- Costuma assumir riscos com mais facilidade que as outras pessoas.

- É bastante verdadeiro e amigo.

- Não se preocupa muito com a razão ou lógica. Sua vida em si mesma é preenchida de coisas que não possuem explicação.

- Reconhece outro mago à distancia. Possui um faro especial para isso.

- É geralmente dotado de grande inteligência extra raciocínio.

- É uma pessoa muito contente e se sente abençoada.

- Costuma despertar um interesse curioso em certas pessoas.

- Sabe lidar com perdas com maestria. Possui grande confiança na vida.

- Não utiliza da razão para distinguir o que é bom ou mal.

- Não segue ninguém, tem seu próprio caminho.

- Vive um constante mistério.


~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Amor Misterioso


Ele era um garoto comum, sempre fora, desde que nasceu. À partir de um dado momento de sua vida, ele leu um livro estranho, que falava sobre outra realidade acessível a qualquer um.

Por alguma razão, aquele livro despertou confiança dentro dele e ele acreditou nas palavras que estavam sendo proferidas. Então, ele começou a buscar aquela realidade que o autor falava e passou a sentir coisas estranhas.

Essas coisas estranhas que ele sentia, com o tempo, acabaram fazendo o garoto se tornar um estranho. O garoto começou a falar diferente, agir diferente, e ser diferente; todo mundo passou a estranhá-lo, não era mais o mesmo garoto. Alguns começaram a chamá-lo de louco, até que até ele mesmo chegou a acreditar.

Foram várias as vezes em que ele pensou estar louco, mas nunca durava mais do que três dias. Ele sempre concluía no final que não estava louco, que estava tudo bem. E assim ele seguia dia a dia.

Depois de um tempo, ele começou a receber sinais. Alguma força estava se comunicando com ele através de coisas misteriosas. Através de coincidências, visões e sinais misteriosos.

Aquilo o deu uma boa razão para viver, já que todas as pessoas estavam se afastando dele por ele agora ser um estranho. Ele passou a investigar o mistério, como um cientista. Ele sentia grande atração pelo mistério, e o mistério parecia sentir por ele também, porque o estava perseguindo em todo o canto onde ele ia.

O mistério o perseguia tanto, que passou a sair de sua boca. As palavras que ele proferia faziam parte do mistério também. Ele e o mistério, um na busca pelo outro, acabaram se entrelaçando e fazendo parte de um mesmo jogo. Acabaram se tornando um mistério só. O mistério chegava a ele e saía dele também, como um fluxo indo e vindo.

Então, quando o mistério começou a sair de sua boca, foi aí que ele entrou em choque com as outras pessoas. Ele falava excepcionalmente estranho, diferente, e dizia coisas fora do comum. Isso, aos poucos, foi assustando as pessoas. Foi afastando as pessoas rígidas, que possuíam uma mente bastante dura e conservadora.

Como praticamente todos à sua volta possuíam este tipo de mente, o garoto acabou ficando sozinho... Sozinho... E cada vez mais sozinho. Mas estava tudo bem mesmo assim, ele estava vivendo uma magia que preenchia sua vida de euforia e encanto. Mas ele não estava completo, ele sentia saudades da companhia humana. Ele passou a sonhar com seres humanos.

Com o tempo, o mistério que saía de sua boca começou a entrar nos corações de outras pessoas. Isso fez o mistério se tornar parte da vida delas também, então elas também se tornaram estranhos, igual a ele.

Com isso, uma conexão misteriosa os envolveu, fazendo o amor surgir entre eles. Era um amor diferente, um amor que o mundo não conhecia. Um amor puro, sincero, verdadeiro, honesto, benevolente e mágico. Um amor preenchido de mistério.

Esse amor começou a irradiar deles, como ondas de rádio. Então o amor misterioso se espalhou tocando outras pessoas ao redor.

Cada vez mais pessoas eram tocadas por aquele amor misterioso, então ele ganhou um grande presente. Muitas pessoas passaram a enxergar a beleza, a beleza do mistério. Isso fez as pessoas gostarem dele, amarem ele.

Então, aquela vida que já estava boa mesmo com a brecha de companhia, explodiu de vez. A vida dele se preencheu de flores, de seres humanos, de amantes. Muitas pessoas amavam ele, e isso era bom, porque ele tinha muito amor para dar e que estava apenas aguardando à espera do momento.

O pouco vazio que havia nele, então se preencheu. Mais do que isso, transbordou.

Ele passou a se questionar ao olhar para o espelho: "espelho, espelhou meu... Existe alguém nesse mundo mais feliz do que eu?"

O espelho nada respondia.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Entrando no Mundo da Magia - 7* O Segredo


Eles saíram do quarto e foram caminhando de volta ao saguão de entrada. Quando chegaram lá, o homem se sentou ao pé da escada. O garoto ficou em pé, de frente a ele.

- Ajoelhe-se - ordenou o homem.

O garoto olhou para ele, estranhando aquele comportamento.

- Ajoelhe-se - ordenou o homem mais uma vez. Mesmo estranhando, o menino se ajoelhou.

- O segredo que eu tenho para lhe contar - contou o homem -, é que você deve adorar e ser leal ao seu mestre. Apenas a ele. Você deve fazer tudo o que ele mandar, pois ele sabe mais do que você.

O menino confirmou com a cabeça, escutando com atenção.

O homem gargalhou.

- Estou brincando, seu bobo - disse ele, fazendo um cafuné na cabeça do garoto. - Levante-se, por favor - o menino se levantou. - Sente-se aqui - pediu o homem, dando dois tapinhas na escada logo ao lado dele.

O menino sentou ao lado do homem.

- A verdade é que você não precisa de ninguém para te ensinar os segredos - prosseguiu o homem -, então você não deve ajoelhar, nem adorar a ninguém. Tudo o que você precisa saber, todos os segredos que precisam ser desvendados; você carrega a resposta no fundo de si mesmo, então só você tem a chave para o conhecimento. Nenhum mestre, nenhuma palavra, nenhum livro; só você. Tudo o que você precisa saber está arquivado nos arquivos de sua alma, então tudo o que é preciso fazer é mergulhar fundo nela e você compreenderá todo o mistério.

- O caminho do mago - continuou o homem -, apesar de mágico, não é um caminho fácil, principalmente no começo; e eu devo lhe alertar sobre isso. É um caminho muito solitário, porque um mago é muito mal compreendido. Alguns magos passam anos seguidos falando ao vento, sem ninguém poder compreendê-los. Então eles passam anos sozinhos.

- Um mago é alguém que aponta um caminho novo, diferente do conhecido, então a primeira coisa que acontece é um choque. Um mago é um estranho. No começo, ele desperta olhares tortos, e por isso ele é muito julgado. É um fardo que um mago tem de carregar.

- Não se preocupe se ninguém te der ouvidos. A maioria dos magos passaram anos seguidos, como disse, apenas jogando palavras ao vento. Ninguém podia entendê-los ainda. O mago é como um escavador: ele vai cavando e cavando, até tocar o coração das pessoas. Só quando o coração é tocado é que o mago é compreendido, e isso pode demorar um pouquinho de acontecer. Demora um pouco porque há muita areia cobrindo os corações, então há muito o que cavar até que se chegue neles.

- Acho que já te disse tudo o que devia lhe dizer - disse o homem, estalando os dedos duas vezes. A porta de saída do castelo se abriu. - Você já está pronto. Pode ir.

O menino olhou para a porta de saída... Ele não se sentia pronto.

- Você está enganado - disse o garoto. - Eu não me sinto pronto.

- Todos os segredos estão escondidos em você mesmo, menino - afirmou o homem, compassivamente. - Sabendo disso, você já está pronto.

- Não se preocupe em se sentir assim - disse ainda o homem, dando dois tapinhas amigáveis no ombro dele. - As coisas vão começar a clarear quando você iniciar seus próprios passos. Enquanto você estiver seguindo a mim, ou a outro, as coisas nunca ganharão clareza. Você só se ilumina quando começa a caminhar sozinho.

- Vá - ordenou o homem. - Você já está pronto.

O menino então se levantou, sacudiu as vestes na parte de trás - para remover a poeira da parte onde tinha sentado -, e então virou-se ao homem para se despedir.

O homem não estava mais ali, havia desaparecido... É, não havia mais o que ser feito. Chegou sua hora de partir.

Caminhou decido então até a porta de saída do saguão. Logo que a atravessou, a porta se fechou. Ele estava mais uma vez no jardim do Castelo das Sombras.

Ele se sentia diferente, tinha algo diferente no seu corpo, ele estava mais quente. Olhou então para seus braços e mãos, e sua pele estava mais lisa; de certa forma mais bonita. Suas unhas tinham mudado de cor, estavam negras. Tocou seus cabelos e eles haviam crescido, estavam enormes... Mudaram de cor também. Ele agora tinha cabelos brancos.

Foi então que ele sentiu uma dor nas costas. Havia algo se mexendo ali, parecia que queria sair para fora de seu corpo.

Logo depois, a dor aumentou. Ele sentiu uma pontada forte nas duas laterais das costas. Ele deu um berro, e algo escapou de vez para fora dele, rasgando suas vestes. Eram duas asas, duas asas enormes.

O garoto olhava para suas asas, admirado. Eram lindas, brancas e cintilantes, com algumas penas acinzentadas. Elas balançavam para lá e para cá ao vento, e ele tinha total controle sobre elas. Eram como dois membros, como dois braços.


Foi aí então que o menino entendeu. Era por isso que quem entrava naquele castelo, nunca mais era visto. Eles não voltavam mais os mesmos. Haviam se transformado, eram outras pessoas. Não eram mais reconhecidos.

O garoto olhou à sua volta, se sentindo poderoso. Sentia que tudo era possível, sentia que não havia limites. Ele se sentia infinito.

Sentindo aquela força dentro de si mesmo, lhe veio um insight... Ele compreendeu o mistério: os magos eram os anjos.



~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Entrando no Mundo da Magia - 6* O Movimento


Eles se levantaram do banco, logo depois do homem fazer uma analogia dos seres humanos com os botões de flor, e começaram a caminhar para dentro do castelo novamente.

Chegando perto da entrada, o homem perguntou ao garoto:

- Tu gosta de fumar?

- Já provei - comentou o garoto -, mas não me dei muito bem não. Me senti enjoado.

- Hum... - Deixou escapar o homem. - Vou fumar um, tenho uma experiência interessante para você.

- Eu não vou fumar - disse o garoto -, tudo bem?

- Tudo sim - respondeu o homem. - Um cigarro já é o suficiente. Venha comigo, tenho uma carteira guardada em um dos quartos. Reservo ele especialmente pro fumo.

Então eles entraram novamente no castelo, e o garoto foi acompanhando o homem por um dos corredores. Eles pararam em frente a uma porta de madeira, que não tinha tranca, e o homem a empurrou para abrir.

Eles foram andando até o centro do quarto. Então o homem abriu uma das gavetas que havia por ali, retirando uma carteira vermelha de cigarro, removendo um de dentro, colocando-a de volta na gaveta, e pegando um isqueiro que estava perdurado em um suporte na lateral da escrivaninha.

Depois ele se dirigiu próximo à janela, puxando dois bancos, e dando um para o garoto.

- Sente-se, por favor - sugeriu educadamente o homem. O garoto sentou.

Ele acendeu o cigarro, dando sua primeira tragada.

- Vamos precisar de um cinzeiro - comentou o homem.

- E esse aí do lado? - Apontou o garoto para um cinzeiro que havia numa cômoda logo ao lado deles.

- Não, esse não - negou o homem. - Vamos precisar de um especial hoje.

Então o homem colocou a mão aberta para o lado de fora da janela, e um copo com água até o meio caiu em cima de sua mão, sendo agarrado pelo homem. O garoto se espantou, de onde aquele copo tinha vindo? Que sincronismo!

Curioso, se levantou e colocou a cabeça para fora da janela, olhando para cima. Não havia nada ali. Ele voltou-se para dentro novamente, e, curioso, perguntou ao homem:

- De onde isso veio? Como você fez isso?

- Se tivéssemos resposta para tudo, não haveria mistério, correto? - Respondeu o homem, piscando um olho para ele.

O garoto cruzou os braços, com uma cara emburrada.

O homem colocou o copo no apoio da janela, e bateu as primeiras cinzas dentro dele. O homem ficou olhando para o cigarro queimando em sua mão, e o garoto olhando para ele.

- Os magos - disse o homem - são como a fumaça. O garoto olhou para a fumaça saindo do cigarro. - A fumaça não decide o seu caminho, ela segue o vento.

A fumaça do cigarro estava subindo reta, as vezes passava um vento, e ela mudava de direção. Depois retornava para a mesma. Depois tomava outra direção diferente, e então voltava. Depois continuava se movimentando, de acordo com o vento.

- O vento pode vir de um lado, do outro, tanto de cima, quanto de baixo - contou o homem. O garoto estava atento. - As vezes pode não estar ventando, então a fumaça vai seguindo um percurso neutro.

- A fumaça despista qualquer obstáculo - continuou o homem, pegando sua mão e colocando-a no caminho da fumaça, com os dedos abertos. - Se houverem brechas no obstáculo, ela percorre por dentro - a fumaça estava atravessando por entre seus dedos enquanto ele dizia. Agora ele fechara os dedos. - Se não houverem brechas, ela contorna pelas bordas do obstáculo - a fumaça estava contornando por entre os arredores da mão fechada dele. - E ela não se perde. Continua seguindo seu caminho, seguindo o vento.

O homem deu mais uma tragada, soltou a fumaça e bateu novamente as cinzas no copo.

- O vento é um movimento dentro de você que está sempre apontando a direção a seguir - contou o homem -, uma direção que deixe o seu ser sereno. Essa é a direção que
o mago segue, e ela o leva a estar sintonizado com a vida; no ritmo dela. A direção não diz exatamente para onde irá levar o mago, mas o mago a segue mesmo assim; confiando nela.

- Como a direção do vento é a direção que a vida está escolhendo - continuou o homem -, aquele que a segue se conecta com a vida. Então ele entra em sintonia com ela, e a vida começa a se comunicar com ele, porque agora ambos estão juntos; seguindo a mesma direção. Então é aí que a vida começa a fazer milagres, porque ela agora pode agir através dele e com ele.

O homem tragou o cigarro de novo. Soltou a fumaça e bateu as cinzas no copo.

- E que tipo de milagres são esses? - Perguntou o garoto.

- Hum... - Deixou escapar o homem. - São de todos os tipos. Acontecem coincidências que deixam o mago boquiaberto; coisas realmente milagrosas, sem explicação, que levam o mago a questionar que força misteriosa é essa; como esse copo que peguei agora mesmo. O mago pode ter visões também, e outros pequenos detalhes que passam a acontecer. Passam a acontecer mais e mais milagres, dia a dia. Esses milagres ensinam também alguns segredos ao mago, segredos de como a vida funciona. Esses milagres conversam com ele. É o mistério do universo, o mistério da magia.

Depois disso, o garoto ficou refletindo um pouco enquanto o homem terminava de fumar o cigarro, em silêncio.

Logo que terminou seu cigarro, ele pegou o copo com água, agora cheia de cinzas na base, e sacudiu ele, espalhando as cinzas.

- Chegue mais perto - chamou o homem. O garoto arrastou o banco para mais perto dele.

- Está vendo aqui dentro deste copo? - O homem mostrou o interior do copo ao garoto. Havia água até a metade, com cinzas espalhadas aleatoriamente pela base. - A água representa a vida, e as cinzas representam os acontecimentos da vida. É assim que se encontra a vida de alguém antes de ingressar no mundo da magia. As cinzas estão espalhadas pela base da água, sem nenhuma conexão umas com as outras.

- Quando o ser caminha para a magia - prosseguiu o homem -, repare no que acontece.

Então ele sacudiu o copo em um movimento circular na horizontal. Deu uns cincos giros, e parou o copo.

- Observe - disse o homem, mostrando o interior do copo, agora parado, ao garoto.

A água estava se movimentando em giros, e as cinzas acompanhando o movimento circular da água, todas espalhadas pelo conteúdo da água do copo. Quando o movimento foi parando, as primeiras cinzas foram se juntando na base do copo, bem no centro. Quando o movimento parou, todas as cinzas estavam juntas, na base do centro do copo.

- É assim que acontece com os acontecimentos na vida de um mago - contou o homem. - No começo, todos eles aparentam estar separados. Mas, seguindo o movimento da vida, no final, todos eles estavam caminhando para o mesmo lugar e se chocam.

"Que maneiro" - estava pensando o garoto.

O homem apoiou o copo em cima da cômoda, se levantou - o garoto fez o mesmo -, e juntou os dois bancos novamente no lugar de origem. Depois disse ao garoto:

- Venha comigo, preciso te contar um segredo.



~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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Entrando no Mundo da Magia - 5* A Abertura


Depois de o homem vestido num manto negro mostrar ao garoto que era preciso coragem para abandonar o mundo antigo em função do mundo mágico, eles começaram a caminhar pelo jardim.

- Olha - disse o homem -, outra coisa importante no caminho da magia é a abertura. Os seres da terra vivem fechados em si mesmos, em seus próprios objetivos e em sua própria vida. Nesse sentido, o universo não pode chegar a eles e acrescentar coisas que estão além deles mesmos. Eles estão muito ocupados para isso. A magia não pode vir a eles.

- Um mago - continuou o homem - é um ser totalmente aberto. Quanto mais aberto ele é, mais mágico é o seu ser. Quando mais aberto ele for, mais o universo poderá chegar a ele, acrescentar coisas e se comunicar. Um mago é como uma antena; por estar aberto, ele capta as ondas do universo que estão chegando ao seu redor. É através dessas ondas que a magia acontece, e ele pode ser guiado por elas.

Não havia muito o que dizer, então o garoto permaneceu apenas calado, atento. Eles estavam caminhando agora por um campo bastante florido, parecido com um parque. Tinham alguns bancos de madeira, algumas árvores, e uns canteiros de plantas floridas.

- Que tal sentarmos ali? - Sugeriu o homem, apontando para um banco duplo que ficava próximo a um desses canteiros.

- Uhum - confirmou o garoto. - É até bom... Estou um pouco cansado.

Então eles foram caminhando juntos e se sentaram no banco. O canteiro florido estava logo ao lado deles. O homem analisou o canteiro por um tempo, então perguntou ao garoto:

- O que você repara ao olhar para esse canteiro?

O garoto observou o canteiro por um tempo. Haviam diversos botões de flores amarelas, e algumas arroxeadas. Apenas alguns poucos deles, um décimo do total talvez, estavam abertos; eram flores. O garoto ficou raciocinando um pouco, tentando desvendar o que o homem queria lhe mostrar...

- Hum... - Deixou escapar o garoto, pensativo. - Não sei... Ainda não chegou a época do florescimento? E aquelas poucas flores vieram antes do tempo?

- Interessante - respondeu o homem. - Eu não tinha parado para pensar nisso, mas faz muito sentido. 

O garoto deu um sorriso.

- Mas não é bem isso que quero te mostrar... - Disse novamente o homem. - Repare, imagine que todas essas flores e botões são seres humanos. É uma analogia perfeita. A maioria dos seres humanos estão fechados, como esses botões. São os seres da terra. Estando assim, eles estão de certa forma protegidos, suas pétalas estão protegidas. O vento não pode os machucar, a chuva não pode os machucar; quase nada pode os machucar.

- Isso parece bom, vendo por esse lado - disse ainda o homem. - Mas não é nada bom. Quando o ser humano está fechado, ele perde todo o contato com a vida. Ele se torna como uma pedra, dura e insensível. Ele não pode se machucar, mas também não pode amar. Ele não pode sofrer, mas também não pode sentir prazer. Ele não chora, mas também não se alegra. E todas essas sensações, essas variações, são uma forma de alimento. O alimento da alma.

- É por isso que a maioria dos seres da terra sofrem. Por estarem fechados, se sentindo seguros assim, eles perdem o alimento da alma; então suas almas estão sempre carentes. Os seres da terra, por estarem fechados também, perdem o ensinamento que a alma trás embutido com ela; então eles nunca entendem o que está acontecendo. Eles sentem aquela falta, aquela carência, e não encontram os motivos. Então eles começam a enlouquecer. Começam a buscar a solução em tudo. Mas é uma busca inútil, porque a solução está no alimento da alma; que é a sensibilidade, o viver, a abertura. O alimento da alma os preencheria.

- Como não encontram a solução para o seu vazio interior, eles a buscam em sexo, em bebidas, em relacionamentos, em comida, em jogos, em festas, em revistas, em música, em remédios, em consultas, em livros, na vaidade... Em tudo, e nunca encontram. Todo caminho se mostra inútil no fim, então acaba se tornando doentil. Eles vivem uma busca eterna pela solução, sem encontrá-la. A maioria vive a vida inteira assim, e morrem ainda sem a ter encontrado.

- Um mago - prosseguiu o homem - é o botão que se tornou a flor. É o ser que tomou coragem para sair da segurança de estar fechado, encarando a insegurança de estar aberto, sem saber o que poderá vir disso. Estando aberto, ele está suscetível a tudo. Se vier uma chuva forte, poderá machucar suas pétalas sensíveis. O vento, se vier forte, também poderá machucá-lo. Ele se tornou um ser sensível, aberto ao mundo. Ele pode chorar, se alegrar, sentir dor, sentir prazer, sorrir, ficar triste... Ele vive o amor, e o amor vem com tudo isso embutido. Tudo isso, pode parecer estranho, mas cada coisinha dessas, mesmo aquelas que julgamos ruins, alimentam a alma. São formas de energia, e essas formas de energia são alimento. Todas elas.

- É perigoso estar aberto, porque agora tudo pode te machucar; é arriscado. Mas quando o botão se abre, ele começa a soltar um perfume que antes não existia. Um perfume delicioso. Ele pode sentir o sol tocando seu interior, aquecendo-o. Ele pode sentir o toque delicado do orvalho da manhã. Ele pode compartilhar seu pólem com a natureza. Sem contar que agora ele exibe a beleza que estava escondida em suas pétalas, que antes, fechadas, não podia ser vista. Agora a pintura da flor pode ser apreciada por qualquer um que observá-la. Ele pode compartilhar... Ele está muito mais vivo do que o botão. O risco é válido, vale a pena, porque a vida cresce indefinivelmente.

- Mas eu estou comentando apenas a capa, há muito mais agregado a essa abertura. Vem uma nova percepção, um novo jeito de ver e sentir o mundo. O universo pode se comunicar com você e você pode percebê-lo atuar. O mago é um sensitivo, ele está aberto a tudo o que se passa ao redor. Ele recebe as energias que estão à volta, ele sente tudo. Ele pode sentir a tristeza de quem está ao seu lado, do mesmo jeito que a alegria também. Ele é como um espaço, onde tudo que está à volta, é compartilhado nele. Mas não cabe a mim comentar muito sobre isso, porque pode parecer confuso se você tentar interpretar. Pela experiência você compreende melhor, e a experiência só vem através da abertura. Através da abertura, a alma se abre ao mundo, e é nessa abertura que a alma revela todos os seus segredos.

- Então um caminho para se aprofundar na magia e acelerar o processo, é se abrir. Se abrir e se abrir, cada vez mais. Entendido?

- Sim, senhor! - Respondeu o garoto, fazendo um gesto de continência.

O homem riu.

- Vamos, seu bobo - disse o homem, se levantando e convidando-o a se levantar. - Ainda tenho mais algumas coisas para te mostrar.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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terça-feira, 22 de abril de 2014

Entrando no Mundo da Magia - 4* A Transição


Depois que atravessaram a ponte dos sapos, ele e aquele homem de manto negro tornaram a caminhar pelos corredores do castelo. Enquanto caminhavam, o homem foi contando:

- Antes de um homem decidir entrar no caminho da magia, ele é um ser da terra, e um ser da terra faz coisas dos seres da terra. Depois que o homem decide entrar no caminho da magia, ele não é um mago e nem é mais um homem da terra. Ele não é nem um nem outro, é um ser perdido de quem é. Ele se torna um ser confuso. Mas é um passo necessário, é a transição. É nesse momento que eu - o guia - apareço bastante, porque é o momento em que ele mais precisa de mim. Até que se torne um mago, eu sou a única base segura que ele terá, para saber que as coisas estão indo tudo bem.

- E como você aparece? - Perguntou o garoto. - Assim como está agora?

- Não... - Negou o homem. - Você é um privilegiado por poder me ver, pois conseguiu entrar no Castelo das Sombras. Então, mesmo não sendo um mago, já está em nosso mundo.

- Mas acontece bastante de meus aprendizes - continuou o homem - entrarem no caminho ainda dentro do mundo dos seres da terra. Então eu não posso aparecer assim, de forma viva, porque lá é o mundo deles. Eu apareço no mistério das coincidências, e até em algumas visões e revelações. Conheço a mente de meus aprendize
s, então sei como chegar nelas usando de meu próprio mistério. As pistas que envio, são exatamente para a mente deles me perceber. Então eles me percebem, e isso reduz a confusão deles e os mantém um pouco mais seguros durante a tempestade.

- Tempestade? - Perguntou o garoto, sem entender.

- Sim, a tempestade - confirmou o homem. - É só uma força de expressão. Quando estão nesse momento de transição, meu rapaz, 
é difícil; muito difícil. É confuso e atormentador. É uma experiência tão louca e perdida que, acredite em mim, é até melhor ter algum membro amputado do que ter que passar por ela. Mas eu existo, e faço o possível para minimizá-la. Mas não posso minimizá-la por completo, pois é ao nível da tempestade que se faz o bom mago. O melhor mago certamente é aquele que tomou muitos raios; os raios o fizeram crescer.

A essa hora eles estavam atravessando uma brecha por entre dois corredores, que ia dar no jardim.

- Eu vou te mostrar porque é preciso de coragem neste caminho, e porque é preciso estar disposto a abandonar tudo - contou o homem. Eles tinham acabado de entrar no jardim. - Vem por aqui - chamou ele virando-se um pouco à direita.

Então eles foram se aproximando de um canto no jardim, onde haviam dois caminhos de concreto traçados sobre o solo. Em ambos os caminhos haviam estátuas de pessoas, em pontos específicos. O caminho da esquerda, era tortuoso, cheio de curvas. Em cada curva havia um grupo de estátuas. O caminho da direita, era reto. Havia uma e outra estátua pingada no percurso, e algumas no fim dela, na ponta.

O homem caminhou até a entrada do caminho tortuoso, e começou a falar:

- Esse é o caminho dos seres da terra. Eles caminham sem rumo, sem direção; então é um caminho cheio de curvas. Eles não sabem para onde estão indo, então apenas vão indo. Em cada curva, encontram pessoas, com quem eles entram em contato, e que as fazem tomarem mais curvas ainda. Então, cada contato as faz desviar para outro lado, porque surgem novas ideias, que entram na mente deles, caminhando com eles.

Então o homem começou a caminhar em direção ao caminho da direita, ainda falando:

- Quando um ser decide entrar no caminho da magia, ele passa a ser conduzido por um caminho, passa a ser guiado por alguma força - disse ele apontando para si mesmo e sorrindo, orgulhoso. - Então o caminho que era tortuoso, se torna uma reta perfeita. Ele não caminha mais em vão, ele está seguindo por uma direção.


- Você está vendo aquelas poucas estátuas pingadas nesse caminho reto? - Perguntou o homem ao garoto. O garoto confirmou com a cabeça. - São pessoas que o acaso - disse ele piscando um olho - realiza o encontro. São pessoas que também estão no caminho da magia, que também estão para se tornarem magos. O encontro deles tem algum propósito que somente eu sei. Você pode reconhecer quando foi o acaso - disse ele piscando novamente o olho - que planejou o encontro, porque ele vem com algum mistério embutido, como aqueles que falei logo anteriormente.

- Essa caminhada - continuou o homem, apontando para o caminho reto - é muito solitária como você pode ver... Esse caminho reto e extenso, sem ninguém... Mas você está vendo lá na ponta? - Disse o homem, agora apontando para aquele conjunto de estátuas logo no final. - É a recompensa. E ela é enorme, pois cada estátua daquelas representa um mago. E encontrar com um mago, hohohoho - ele deu uma gargalhada estranha -, é uma experiência que já vale para a vida inteira.


Depois de falar, o homem ficou calado, admirando os dois caminhos. O garoto ficou olhando para ele, esperando a continuação. Mas o homem ficou calado por um longo tempo...

- É só isso? - Perguntou o garoto.

- Uhum - respondeu o homem. - Simples assim.


- E quanto à coragem e a disposição de abandonar tudo?

- Ah, claro! - Exclamou o homem, com cara de bobo. - Eu esqueci, perdão. É que é o seguinte... Quando o ser da terra migra para o caminho da magia, ele começa a mudar, tanto internamente quanto externamente. Como ele caminhava e seguia pelo caminho tortuoso dos seres da terra, e agora não faz mais parte disso, ele se torna um estranho em terras estranhas. Ele sai do caminho tortuoso e passa a caminhar reto.

- Mas acontece que - prosseguiu o homem - ele continua no mesmo plano dos seres da terra, mesmo não fazendo mais parte dele. Então, mesmo estando nos mesmos lugares, o seu caminho já não é mais o mesmo. Aos poucos, isso começa a ficar evidente. Então os lugares também precisarão mudar, e é aí que entra a coragem. O caminhante da magia precisa abandonar tudo o que fazia parte de seu caminho na terra, se não ele não consegue caminhar e fica preso na tempestade. Então acontecerá de ele se sentir um estranho perto de seus antigos amigos, nos antigos lugares que frequentava, e até com seus próprios familiares... 


Enfim - suspirou o homem -, ele se torna um estranho para quem ele era. Chegará um estágio em que ele se sentirá tão estranho, que terá que saltar fora, se não começará a criar problemas para si e para os outros. Começará a gerar conflitos. Se ele for corajoso e der ouvidos ao chamado; se retirará, abandonando tudo e caminhando na reta perfeita. Se ele não for corajoso; tentará se agarrar ao caminho antigo, perdendo o caminho da magia. Como você sabe, uma vez dentro do caminho da magia, não há mais volta. Então, a pessoa que não tiver coragem de abandonar, se tornará um louco, e acabará em algum hospício da terra.

- Então é preciso ter coragem, é um pré-requisito - concluiu o homem. - Quem entra no caminho sem a coragem, acaba não se tornando um mago, e acaba não podendo voltar também para o caminho da terra... Se torna um louco, alguém perdido no meio do caminho. Entrou, mas não caminhou; se perdeu.

O garoto se sentiu um pouco assustado. Mas refletiu um pouco... Ele era corajoso. Sim, ele sabia disso. Então não haveria problemas. Se tivesse que tomar alguma atitude dessas, seguir ao chamado, certamente o faria. Ora bolas, ele já tinha entrado no Castelo das Sombras
 sozinho, sem garantias, sem ninguém. O resto seria mamata.

- Venha comigo - disse o homem, acenando para ele o seguir.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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Entrando no Mundo da Magia - 3* O Medo


Ele foi caminhando atrás daquele homem vestido num manto negro, até que eles chegaram em frente a uma porta.

- A primeira coisa que você deve compreender - disse o homem - é o medo. O medo é o que define aquele que é digno da magia ou não. Aquele que consegue caminhar com seu medo, sem que o medo interfira nele, é digno. Eu posso mandar ele ir a qualquer lugar, e ele irá, sentindo medo ou não.

- Hum... - O garoto estava atento.

- Do que você tem mais medo?

- De sapos - respondeu o garoto. - Argh, eu odeio sapos!

- Exato!

O homem empurrou a porta. Era um corredor enorme. Havia uma fina ponte, com alguns centímetros de largura, que ia de uma extremidade do corredor à outra. Devia ter um quilômetro de extensão.

Por debaixo da ponte, havia milhares de sapos, milhares! De todos os tamanhos, grandes e pequenos. Os sapos pulavam de um lado para o outro da ponte.

- Meus Deus! - Exclamou o garoto. - Que horror!

- Atravesse-o.

- Ah, não - respondeu o garoto. - Tudo, menos isso!

- Quando eu mandar você ir a algum lugar - disse o homem, calmamente -, você tem que ir, sem questionar. O medo é a porta da confiança. Eu mando você ir, e você sempre sentirá medo, por isso não irá. Poucos vão, poucos encaram o medo, poucos vão mesmo se tremendo, aonde eu mando. Eles confiam em mim, sabem que eu não os farei mal. Eles confiam cegamente em mim. Esses são os únicos que vestem o chapéu de um mago.

- Está bem - respondeu o garoto, não muito certo do que estava dizendo. - Eu vou.

- Vá - ordenou o homem. - Eu ficarei aqui te observando.

Lá se foi o garoto, se tremendo como uma vara. Ele deu o primeiro passo à frente, atravessando a porta, e sentiu vontade de voltar. Os sapos começaram a ficar inquietos com a presença dele, pulando cada vez mais.

Ele olhou para trás, e o homem estava com o olhar firme fitado sobre ele. Ele fez uma cara de choro, e o homem acenou (vá!).

Ele olhou novamente para frente, e começou a caminhar pela ponte. Quanto mais ele caminhava, mais inquietos os sapos ficavam, pulando de um lado para o outro, frenéticos.

Os sapos passavam à frente dele, e atrás, no salto. O garoto sentia um pânico por dentro, mas continuava caminhando. Ele não conseguia se acostumar com a situação, o medo só aumentava. Cada vez que um sapo pulava, ele tomava um susto, achando que ia tocar nele. Mas os sapos passavam raspando, e, por algum motivo, nunca tocavam no garoto.

Quando estava no meio da ponte, um sapo passou muito perto, quase tocando seu rosto. Ele tomou um susto e se desequilibrou, caindo da ponte. Não era alto, devia ter meio metro do chão. Quando ele caiu, os sapos que estavam onde ele ia cair, saltaram todos para distante, ao mesmo tempo. Ele caiu firme no chão, sem nenhum sapo.

Olhou à volta, aquele mar de sapos, olhando para ele. Mas eles ficaram todos quietos. Então ele se levantou, sentindo muito nojo, e subiu na ponte novamente. Depois que subiu, os sapos voltaram a saltitar de um lado para o outro, inquietos.

"Que estranho" - pensou o garoto. - "Parece que eles liberaram o espaço só para mim."

Então ele continuou caminhando pela ponte, agora um pouco mais confiante, e nenhum sapo o tocou.

Chegou do outro lado. O homem estava lá, logo à frente dele.

- Muito bom. É assim que ocorre com aqueles que me obedecem à par do medo - contou o homem. - Eu mando eles para o meio de uma guerra, no meio do tiroteio, e nenhuma bala os atinge, há não ser que seja parte do meu plano que a bala os atinja.

- É isso que significa confiar - continuou o homem. - Caminhar para onde eu mandar, independente do medo ou não. Quando eles confiam em mim, o medo não existe. Mesmo habitando-os, não faz diferença. Por isso um mago não tem medo. O medo pode estar presente, mas não interfere em sua ação.

- Vamos, venha comigo.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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Entrando no Mundo da Magia - 2* O Guia


Logo que entrou no castelo das sombras, a porta atrás dele reapareceu, trancando ele lá dentro. É... A primeira coisa ele já tinha comprovado: entrou não dá mais para sair.

Ele estava no saguão de entrada. Havia uma escada, que bifurcava em duas direções no andar de cima, e um lindo tapete vermelho ao longo do centro de todo percurso da escadaria. 

"Clássico" - pensou ele.

Aos arredores do saguão, havia diversas estátuas, todas iguais; estátuas de magos. Haviam plaquetas nelas. Curioso, o menino se aproximou para lê-las. Eram nomes: Siddhartha Gautama... Lao tsé... Lao tzu... Jesus Cristo... Confúcio... Merlim... Rajneesh... E diversos outros nomes que ele nunca ouvira falar. Em cada estátua, havia um nome diferente. Haviam várias, e eram todas iguais.

- Eu sabia que tinha algo diferente neles! - Disse o garoto. - Todos eles falavam diferente, pareciam loucos, porém muito atraentes. Eram todos magos. Eu sabia!

Ele olhou aos arredores e deu um grito:

- ALOOOOW! Tem alguém aí?!

Nenhuma resposta. Era um castelo enorme. Tudo bem, ele já tinha entrado... Mas e agora?

Ele escutou um barulho lá no andar de cima. Olhou para a escada e havia um homem ali, vestido em um manto preto.

- Oi? - Disse o garoto.

- Olá, meu jovem - respondeu aquele homem. - Deve ser um rapaz muito corajoso para querer embarcar nessa jornada...

- Quem é você? - Perguntou o garoto. Na mesma hora, o homem sumiu.

- O que sou eu, seria a pergunta mais correta - disse a mesma voz do homem, agora vindo de trás do garoto. O garoto se virou, aquele homem estava atrás dele.

- Você é um mago? - Perguntou o garoto, espantado.

- Hum... - pensou aquele homem. - Certamente não. Os magos são seres humanos, eu não sou um ser humano.

- O que é você, então?

- Agora sim, uma pergunta correta... - Disse aquele homem, sorrindo. - Sou a luz e a escuridão. Estou no claro e também no escuro. Você não me enxerga, mas pode me ver agir. Sou seu guia, te levarei até a magia.

O garoto olhou para aquele homem, estranhando-o. Aquele jeito de falar lembrava muito os magos... Mas ele não era humano. O que era ele, então?

- Você é Deus? - Perguntou inocentemente o garoto. Aquele homem gargalhou.

- Não tenho nome, nem cor - respondeu o homem. - Não tenho classe e nem cheiro. Muitos me chamam de Deus, outros me chamam de vida. Mas nenhum deles percebe, que sou aquilo que faz a magia.

- Só me enxerga, aquele que se entrega - continuou o homem. - Só me da cores, aquele que não me nomeia. Sou sempre novo, não faço parte do velho. Não dá para me compreender, sou um eterno mistério.

- Você fala bonito - afirmou o garoto. - Mas eu não entendo nada do que diz. O que eu preciso fazer para me tornar um mago?

- Para se tornar um mago, você deve entender os magos, pois eles falam através de mim. Mas entendê-los, não é tão simples assim, porque na verdade você não pode compreendê-los. Para compreender um mago, é preciso uma abertura. Porque a fala deles tem que entrar em você, tem que ser vivida por você; até que se torne sua própria experiência. A única compreensão, vem pela experiência. Por isso muitos poucos se tornam magos, eles precisam viver o ensinamento e não tentar compreendê-lo. Eles tentam compreendê-lo com seu raciocínio. É apenas um mal hábito humano. Então eles estragam a magia, porque a razão não consegue transmiti-la. Se torna um mago aquele que se entrega de coração ao ensinamento, permitindo que o ensinamento toque-o por dentro. Quando o ensinamento ganha vida dentro dele, e isso acontece quando ele se tornou o ensinamento, a magia começa a acontecer através, por, para e com ele. Ele se torna um mago, e passa a enxergar a magia. Enxergando a magia, a magia age através dele. Então ele se torna um propagador da magia.

- Venha comigo - disse ainda aquele homem, dando um passo à frente e acenando para ele vir atrás. - Quero que você compreenda algumas coisas. Vou te mostrar que você precisa de coragem, determinação e entrega nesse caminho. A magia é para poucos, pois poucos tem o que se precisa. Você precisa estar disposto a perder tudo, e até a morrer se for preciso.

- Venha comigo.




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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segunda-feira, 21 de abril de 2014

A Cegueira do Peito


Ele apareceu numa sala redonda, em cima de um tronco de árvore cortado. Estava sentado, de pernas cruzadas.

À sua frente havia quatro portas, com detalhes em ouro, e belas maçanetas giratórias. Ele não estava entendendo nada, simplesmente passou a existir ali.

Ficou um tempo então olhando para as portas.

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A primeira porta abriu. De lá saiu um garoto, estava rolando uma festa lá dentro.

- Venha! - Disse o garoto. - Está rolando uma grande festa, cheia de mulheres, você vai adorar!

O menino olhou para dentro da porta e tinham várias mulheres, muito bonitas e jovens, acenando para ele. Todas com uma garrafa de cerveja na mão. Pareciam querer ele ali.

- Vem logo - insistiu o garoto. - Você não vai querer perder isso. Acredite, é sensacional.

Era realmente muito tentador... Aquelas belas mulheres dando tchauzinho para ele, e aquele jovem, bastante atlético, um alfa, o convidando...

- Não - negou o menino. - Eu não quero ir.

- Porque? - Perguntou o rapaz, sem entender.

- Sei não - respondeu o menino. - Me sinto bem aqui, alguma coisa me diz para ficar.

- Você só pode ser idiota - disse o rapaz. - Fica aí então, perdedor.

Então o rapaz fechou a porta.

Depois disso, o menino ficou pensando por um tempo. Haviam muitas mulheres belas lá, será que ele tinha feito a coisa certa? Bem, já tinha feito. Melhor não ficar pensando muito, não ia dar em nada.

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Então a segunda porta abriu. Havia um grande instituto lá dentro, e um rapaz de beca saiu de lá.

- Vem garoto - disse o rapaz. - Temos a melhor faculdade da cidade aqui, e estamos te oferecendo um curso gratuito. Você pode escolher qualquer um. Depois de formado, terá uma carreira promissora... Nossos agentes nunca deixam os formados saírem sem emprego, aqui todos saem empregados. Somos a melhor faculdade da cidade.

O menino olhou para o instituto lá dentro por um tempo. Uma bela carreira? Dinheiro? Parecia bom. Poderia comprar uma casa só dele e fazer tudo o que queria... Mas então ele pensou no trabalho que teria que ter. Estudar, estudar e depois continuar se esforçando num trabalho. Não, ele não queria aquilo. Para ele parecia uma prisão.

- Não quero - negou o menino.

- Porque? - Perguntou o rapaz, sem entender.

- Não sei bem - respondeu o menino. - Me sinto bem aqui. Se eu for, vou ter que estudar e trabalhar a vida inteira. Poderei sair depois, mas eu sei que quanto mais a gente desprende energia em um caminho, mais firmados nele nos tornamos. Depois fica difícil para sair. Não quero passar a vida inteira trabalhando.

- Todo mundo faz isso, meu jovem - afirmou o rapaz.

- Eu sei - confirmou ele. - Mas vejo a maioria das pessoas sofrendo. Quero viver tranquilo e ser feliz, viver em paz. Então, olhando para esse lado, alguma coisa me diz para ficar aqui.

- Tudo bem - disse o rapaz. - Não posso esperá-lo, tempo é dinheiro. Vai se arrepender depois.

E então ele entrou na porta de novo e a porta se fechou.

Logo que o rapaz saiu, aquelas palavras - "vai se arrepender depois" - ficaram na cabeça do menino por um tempo. Ele ficou refletindo nelas, e sentiu certo medo. Mas já tinha decidido ficar ali, se arrependendo ou não, não faria diferença agora. Então resolveu não pensar nisso.

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A terceira porta se abriu. Tinha uma casa grande lá dentro, com duas lindas crianças. Uma mulher bela, loira, e com vestido de casamento saiu de lá.

- Oi - disse ela com aquela voz doce. O menino ficou encantado com a beleza dela. - Vem comigo, serei sua esposa. Eu tenho muito dinheiro, então você não precisa se preocupar com isso. Olhe - disse ela apontando para as crianças -, são nosso filhos. Lindos, não são?

Eram realmente crianças lindas, mas nada comparado a ela. Ela era muito bela, e tinha uma voz doce como morango. As crianças acenavam para ele, com aquela carinha fofa que dava vontade de apertar. O menino estava encantado, não tinha palavras...

- Nossa! - Exclamou ele. - Isso tudo é verdade?

- É claro que é, meu querido - respondeu a moça. - Vem logo, vamos ser felizes para sempre.

O menino não conseguia nem raciocinar direito com tanta beleza, foi logo desfazendo as pernas cruzadas. Mas então alguma coisa no peito dele gritou: "FIQUE AÍ!". Ele achou aquilo super estranho, mas parecia muito real. Alguma coisa estava mandando ele ficar.

- Não posso ir - disse ele, cruzando as pernas novamente.

- Porque? - Respondeu a moça, com uma carinha triste.

- Alguma coisa mandou eu ficar, então vou ficar.

- Que coisa? - Perguntou ela.

- Meu coração.

- Pare com isso - disse a moça. - Isso não existe. Venha - insistiu ela com um largo sorriso.

- Não. Já decidi - respondeu o garoto.

- Tudo bem - disse a moça. - Fique aí sozinho então. Nunca mais achará alguém tão boa quanto eu.

E então aquela bela moça fechou a porta e sumiu.

Depois que ela fechou a porta, ele ficou com as últimas palavras dela ressoando na mente. Talvez ela estivesse certa, seria difícil arranjar alguém como ela. Ela era realmente muito bonita, e parecia ser uma pessoa super doce. Ele se sentiu triste, mas não havia o que fazer. Ficar pensando nisso agora não faria diferença, ele já tinha decidido ficar ali e ela já tinha ido embora. Não havia mais volta.

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Foi então que última porta se abriu. De lá saiu um bobo da corte. Havia um reino lá dentro, com um grande castelo.

- Venha, meu rei - disse o bobo da corte, estendendo uma coroa de ouro e de pedras preciosas. - Venha assumir o seu trono.

Ele era um rei? Ual! Sensacional!

- Eu sou um rei?! - Perguntou o garoto, excitado.

- Sim - respondeu o bobo da corte, sorrindo. - Todos lá te amam.

O menino parou para refletir um momento... Aquela era uma oportunidade única. Ser um rei? Imagine só tudo o que ele teria? Deveria ter um tesouro só dele, e muitas riquezas. Seria amado por todos, venerado, adorado. Era a última porta, se ele a recusasse, não haveria outro caminho. Então ele se levantou e começou a caminhar até a porta. O bobo da corte deu um largo sorriso para ele.

Quando se aproximou do bobo da corte, o bobo estendeu a coroa e a colocou em sua cabeça. Depois o bobo entrou de novo pela porta, acenando para ele entrar também. Quando o menino estava colocando um pé para dentro, aquela voz no peito retornou: "não vá! Não vá!"

O menino não entendeu nada. Porque ele deveria recusar? Ora, ser um rei. O que havia de melhor que isso? Mas a voz continuava: "não vá! Não vá!"

Não tinha sentido nenhum aquela voz. Se ele não fosse, ficaria de novo no tronco, sentado, sem caminhos e sem portas. Não havia sentido... Ele iria entrar sim. Quando tornou a caminhar, o corpo dele se moveu para trás, parecia contra a ação de seu desejo.

- Não - negou o menino, sentindo certa irritação
. - Não vou. Fique você aí, seja você o rei. Tome sua coroa - o menino jogou a coroa longe. O bobo não entendeu nada.

- Porque, meu rei? - Perguntou o bobo, com cara de bobo.

- EU NÃO SOU SEU REI! - Bradou o garoto, ferozmente, empurrando a porta de vez e fechando ela na cara do bobo da corte.

O que tinha sido aquilo? O menino não tinha feito aquilo, não era ele. Foi completamente espontâneo, parecia contra o controle dele próprio.

Voltou-se então caminhando para o tronco, completamente confuso.

"O que eu vou fazer agora?" - Pensou o garoto. - "Não há mais caminhos, todas as portas se fecharam. E eu, seguindo essa voz inútil, acabei aqui, trancado nessa sala redonda, sozinho, sem ninguém... Grandes bostas você é" - terminou ele, se referindo a Deus.

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Então o garoto sentou no tronco, pensando que poderia ter feito a maior besteira de sua vida. Ele houvera negado todos os caminhos que fora convidado, e, de verdade, pareciam todos bons caminhos. Não tinha lógica para a besteira que tinha feito. Ele estava seguindo uma voz, no peito dele, que, se fosse pensar, não havia nenhum sentido lógico. Ele se sentia um idiota.

Mas não havia o que fazer, já tinha acontecido. Arrependido ou não, ele estava ali, sozinho. Tudo o que ele tinha a fazer era, nada.

Então ele ficou sentado ali. Passaram-se dias, meses, anos; e as portas, com o tempo, foram desaparecendo. Ele ficou sozinho ali, naquela sala redonda, em cima do tronco, sem nenhuma porta, sem nada.

Anos depois, um belo dia, uma porta se materializou na frente dele. Era uma porta simples, toda de madeira. Ela abriu sozinha. Tinha um bosque lá dentro.

O menino olhou para dentro daquela porta, sentindo grande curiosidade. Ninguém a abriu, abriu sozinha. Ninguém o estava convidando a entrar. Sem razão, ele sentiu uma forte vontade de ir lá verificar o que havia dentro. Então se levantou e se dirigiu até a porta. Havia algo estranho dessa vez; não havia dúvidas, não havia vozes... Ele queria mesmo entrar ali, não tinha nada apontando contra.

Quando olhou para dentro da porta, havia uma dezena de crianças naquele bosque. Pareciam estar brincando... Sim... Brincando de esconde-esconde.

Ele gritou ainda dentro da salinha:

- Eiii!

As crianças pararam e olharam para ele.

- Quem são vocês? - Perguntou ele.

As crianças se entreolharam, confusas.

- Eu não sou ninguém - respondeu uma delas, gargalhando.

- Eu sou um mago! - Respondeu a outra, sorrindo. Ela não parecia um mago, nem um pouco. Era uma criança comum.

- Eu sou um guerreiro da princesa, vou salvar ela! - Disse outro garoto, também não se assemelhando nada a um guerreiro. Era um menino comum, sem camisa.

- Eu sou o que eu quiser ser - disse outro menino, saltitando.

Ele olhou para aquelas crianças, pareciam todas loucas. Mas eram muito verdadeiras. Elas tinham um sorriso sincero, brincalhão; e um lindo brilho no olhar, vivo.

- Ei - disse uma menina. - Quer brincar com a gente?

O menino sentiu uma grande vontade de brincar. Aquilo vinha de dentro do peito, era quase uma euforia.

Eu quero! - Respondeu ele, com firmeza.

Venha, então - disse a criança.

Então ele entrou pela porta, se juntando a elas. A porta desapareceu. Ele estava agora dentro do bosque. Como estava entrando na brincadeira agora, era a sua vez de contar.



~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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domingo, 20 de abril de 2014

Jovens Incomuns


Eles eram dois amigos que acabaram se encontrando há cinco anos atrás, porque tinham algo peculiar e em comum: ambos eram buscadores da consciência.

Eles já tinham passado por diversas experiências estranhas juntos, em busca do caminho. Meditaram durante três dias inteiros sem se mover, ficaram 10 dias em jejum... Tentavam com frequência ler um o pensamento do outro, ou apenas decifrá-los através da energia. Eram dois loucos.

Eles tinham um hábito estranho... Quando não tinham nada para fazer, aos sábados, eles gostavam de ir à igreja ouvir o padre falar. Eles não concordavam muito com os ensinamentos, mas sentiam prazer em estar lá; sentados no banco, apenas escutando. Era como um descanso, uma meditação.

Em um dia desses, ouvindo o padre falar, eles cochichavam um com o outro:

- Cara, eu acho isso pra lá de engraçado - disse o que usava boné.

- O quê? - Perguntou o cabeludo.

- Os crentes.

- Como assim? - Perguntou novamente o cabeludo. - O que você quer dizer?

- Ah, sei lá - respondeu o de boné. - Eles vivem à espera.

- Ainda não entendi - afirmou o cabeludo. - Seja mais claro aí, na moral.

- Eles vivem esperando Jesus... Mas eles não vivem a experiência, nem estão atrás dela... Eles vivem a espera.

- É mesmo - disse o cabeludo, não achando nenhuma graça e tentando forçar uma risada. - É mesmo engraçado.

- Não cara, você não entendeu - retrucou o de boné. - É engraçado porque eles estão vivendo a espera. Tipo - prosseguiu ele vendo a cara de desentendido do rapaz -, se Jesus chegar, eles nem vão embarcar na jornada. Eles nem vão reconhecer Jesus, porque eles não vão entender; eles estão esperando que Jesus faça uma coisa, e Jesus não vai fazer o que eles estão esperando. Se Jesus chegasse, o que eles fariam?

- Jesus vai chegar a eles e eles vão continuar esperando o salvador - continuou ele -, porque eles não estão buscando cristo, estão apenas esperando cristo chegar para salvar eles. Jesus vai chegar e vai mandar eles buscarem cristo. A espera não tem sentido, porque a salvação é pessoal. É a pessoa mesmo quem se salva na busca.



~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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sábado, 19 de abril de 2014

Entrando no Mundo da Magia - 1* O Castelo das Sombras


Contaram para o garoto que havia inúmeras formas de ingressar no mundo da magia, muitos caminhos diferentes. Mas que havia uma porta, conhecida pela redondeza, e era entrar no Castelo das Sombras.

Contava-se que, uma vez lá dentro, só haveria duas possibilidades: nunca mais voltar, ou regressar ao mundo da magia. Então, todos que entraram lá, nunca mais foram vistos. Não se soube o que aconteceu com eles. Não havia como saber se era verdadeira a história ou não. Não havia provas.

O garoto era muito interessado em magia, e já procurava isso há algum tempo; mas não via como era possível, não encontrava caminhos. Como isso apareceu sem aviso, o garoto acreditou ser o destino. Então, decidiu entrar e arriscar. Verificar por ele mesmo. Uma aventura.

Os informantes desenharam um mapa para o garoto, indicando onde ficava o castelo: entrava no caminho das montanhas, quebrava logo após a segunda delas, atravessava duas pontes, e lá estaria o castelo.

Então lá se foi o garoto, atrás de seu tesouro.

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Seguiu o caminho indicado e, logo na segunda ponte, o solo começava a escurecer... Devagarinho... Até adquirir um aspecto totalmente morto. Um silêncio de morte pairava naquele local.

O garoto se aproximou do portão, que ficava logo depois da ponte, e o abriu: "nhééémm..." - Naquele silêncio, o ranger do portão era aterrorizante. Nada se movia ali, um silencio absurdo.

Ele começou a caminhar pelo jardim - que não tinha flores, só árvores sem folhas -, sentindo um medo invadindo seu peito, e pensamentos vagando em sua mente lhe dizendo para voltar. Ele tinha duas opções: continuar e enfrentar, ou voltar e parecer um covarde. Ele não ia voltar. Já estava ali, já tinha decidido... Ia ser a cobaia de si mesmo. Se fosse real, seria um mago, se não fosse, correria o risco.
     
Andou lentamente até a porta... Era tão silencioso o lugar, que a impressão que ele tinha era a de que, se desse passos bruscos, iria acordar o castelo, ou algum mostro que morava por ali... Então ele caminhou bem devagar, se cagando de medo.

Quando alcançou a porta, foi tentar abri-la, mas não encontrou a tranca. Não tinha tranca. Como assim? Como ele iria entrar? Era uma taboa de metal, do tamanho de uma porta de duas aberturas.

Ele tentou empurrá-la, mas não deu em nada. A porta não se movia. Então ele bateu na porta com seu anel de prata:

Tec... tec... tec... - Sem resposta. - Tec... tec... tec... tec... - Nada.

Ele parou por um segundo, pensando... "O que farei? Apesar de não terem visto ninguém voltar, já foram vistos alguns entrando. Se eles conseguiram, então eu também posso. Mas como fazer? Hum... É magia... Castelo mágico... Recitar algumas palavras mágicas?"

- Alakazam!! - Nada. - Ohm!! - Nada. - Abrakadabra!! - Nada.

Ele tentou inventar algumas palavras novas, e mesmo assim, nada. A porta não se movia. Ele começou a ficar nervoso, com raiva...

"Não posso me irritar - pensou ele. - Ouvi dizer que no caminho do mago não há irritação. Então, se eu estiver irritado, certamente a porta não se abrirá."

Só que quanto mais ele pensava na raiva, mais ela aumentava. Ele tentava se controlar, mas não conseguia, então sentia raiva de si mesmo por não conseguir. Tentava não sentir raiva de si, mas sentia raiva de não estar conseguindo isso também. E assim a raiva só aumentava. Chegou uma hora que ele não resistiu; deu um chute na taboa - que doeu o pé -, e começou a bater nela com sua mochila.

Ele sentia aquela raiva intensa e estava descontando-a com sua mochila na porta. Começou a xingar também, falar uma porrada de palavrões. Ele insistiu por um tempo, mas chegou um momento que ele cansou. Parou para respirar, ofegante, disse o último "porra", e se sentou desanimado ao pé da porta.

"Tim, tim", um som de cassino ressoou da porta. O garoto olhou para porta, estranhando aquele barulho, e lá havia escrito, em azul: "Está ficando quente. Você está mais próximo agora do que antes. Mas pode ter certeza absoluta, eu dou uma boa risada a cada nova tentativa de entrar nessa jornada."

Depois que ele leu, as palavras começaram a sumir, uma por uma, como nuvens.

"O que isso significa? - Pensou ele. - Estou mais próximo agora do que antes... Eu apenas tentei dizer algumas palavras mágicas e descarreguei minha raiva... - Ele ficou refletindo por um tempo. - Mas e daí? O que eu faço agora?"

Então ele ficou pensando e pensando, mas não chegava a nenhuma conclusão. Ele não sabia o que fazer. Estava ali, sozinho, anoitecendo, sem poder voltar, e sem nem poder entrar; naquele espaço, silencioso, que parecia até um cemitério. Ele começou a sentir uma tristeza no peito.

Ele ouvira falar que no caminho do mago não existia tristeza, então, se ficasse triste, certamente a porta não se abriria. Então ele começou a cantar músicas, a dançar e a tentar ter pensamentos positivos. Não estava adiantando muito. A tristeza continuava presente como um plano de fundo. Ele poderia até se enganar, fingir que não estava triste... Mas como sabia que não entraria no castelo em hipótese nenhuma com aquele sentimento, o sentimento não podia se esconder.

Então ele começou a ficar angustiado. O que ele iria fazer? Se voltasse para a cidade, seria chamado de covarde e perderia para sempre sua reputação... Ele sentia uma impotência... Então sua angústia começou a aumentar, até se tornar uma tristeza profunda e ele se entregar por inteiro. Começou a chorar.

- Eu não sei o que fazer... - Dizia ele aos soluços. - Deus, por favor, se você existe, me ajuda...

Então o garoto permaneceu ali, durante meia hora, chorando, se lamentando, e pedindo ajuda a Deus. No meio daquela tormenta, novamente o som de cassino - "tim, tim" - ressoou da porta, surgindo as mesmas letras em azul: "Está ficando quente. Você está mais próximo agora do que antes. Mas pode ter certeza absoluta, eu dou uma boa risada a cada nova tentativa de entrar nessa jornada.", que sumiram logo que lidas.

Isso só fez piorar a situação, pois ele ainda estava triste, e tornou a se lamentar: - "você está brincando comigo? Quando perco a cabeça, você diz que estou mais perto, o que você quer que eu faça? Que tipo de brincadeira sem graça é essa?"

Depois de um longo tempo de choro e lamentações, o rapaz finalmente se cansou e respirou fundo. Ele estava exausto. Não sabia o que fazer, então simplesmente parou. Não havia nada a ser feito, toda aquela loucura houvera exaurido por completo suas energias. Nada se passava pela sua cabeça, ele estava simplesmente ali, sentindo seu cansaço. Então um novo letreiro surgiu:

"Agora está apelando. Tem certeza que vai desistir?" - E desapareceu logo que lido.

O menino estava muito cansado, e não tinha mais nenhuma ideia, não sabia mais o que fazer; então ele simplesmente obedeceu as ordens de seu corpo e adormeceu.

Quando acordou, havia um novo letreiro na porta: "Desistiu?", que não desaparecia quando que lido. O garoto ficou olhando para o letreiro. Ele já tinha tentado fazer de tudo, então ele ficou só observando o letreiro... Passou um minuto, dois, três... Dez, trinta... Cinquenta... O menino continuava só observando, não havia pensamento.

Sem aviso, a porta começou a se desfazer... Estava desaparecendo. Não dava para enxergar o que havia lá dentro, pois era tudo muito escuro. Quando a porta terminou de sumir, um tapete azulado e reluzente saiu da base do vão se desenroscando que nem rocambole, e se esticando com leveza pelo chão. Havia um poema escrito no tapete, em belas letras douradas:

Sou o desconhecido
Não sou amigo, nem inimigo
Você tem que entrar sozinho
Sem saber, como menino

Uma vez lá dentro
Não terá como voltar
A escolha é sua
É pegar, ou me largar.

O garoto leu, refletiu, e, não se sentindo nem um pouco intimidado, disse em alta voz:

- É pegadinha, não é? Depois de tudo que passei, você acha mesmo que ficarei por aqui? - Logo depois, rindo, terminou: - Poeta desconhecido, tu tens seu mundo místico. Se segura que eu tô entrando, porque o malandro aqui é risco!

Em seguida ele mergulhou decidido escuridão adentro, atravessando a porta, que na mesma hora que foi atravessada, reapareceu do nada.



~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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