Ele apareceu numa sala redonda, em cima de um tronco de árvore cortado. Estava sentado, de pernas cruzadas.
À sua frente havia quatro portas, com detalhes em ouro, e belas maçanetas giratórias. Ele não estava entendendo nada, simplesmente passou a existir ali.
Ficou um tempo então olhando para as portas.
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A primeira porta abriu. De lá saiu um garoto, estava rolando uma festa lá dentro.
- Venha! - Disse o garoto. - Está rolando uma grande festa, cheia de mulheres, você vai adorar!
O menino olhou para dentro da porta e tinham várias mulheres, muito bonitas e jovens, acenando para ele. Todas com uma garrafa de cerveja na mão. Pareciam querer ele ali.
- Vem logo - insistiu o garoto. - Você não vai querer perder isso. Acredite, é sensacional.
Era realmente muito tentador... Aquelas belas mulheres dando tchauzinho para ele, e aquele jovem, bastante atlético, um alfa, o convidando...
- Não - negou o menino. - Eu não quero ir.
- Porque? - Perguntou o rapaz, sem entender.
- Sei não - respondeu o menino. - Me sinto bem aqui, alguma coisa me diz para ficar.
- Você só pode ser idiota - disse o rapaz. - Fica aí então, perdedor.
Então o rapaz fechou a porta.
Depois disso, o menino ficou pensando por um tempo. Haviam muitas mulheres belas lá, será que ele tinha feito a coisa certa? Bem, já tinha feito. Melhor não ficar pensando muito, não ia dar em nada.
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Então a segunda porta abriu. Havia um grande instituto lá dentro, e um rapaz de beca saiu de lá.
- Vem garoto - disse o rapaz. - Temos a melhor faculdade da cidade aqui, e estamos te oferecendo um curso gratuito. Você pode escolher qualquer um. Depois de formado, terá uma carreira promissora... Nossos agentes nunca deixam os formados saírem sem emprego, aqui todos saem empregados. Somos a melhor faculdade da cidade.
O menino olhou para o instituto lá dentro por um tempo. Uma bela carreira? Dinheiro? Parecia bom. Poderia comprar uma casa só dele e fazer tudo o que queria... Mas então ele pensou no trabalho que teria que ter. Estudar, estudar e depois continuar se esforçando num trabalho. Não, ele não queria aquilo. Para ele parecia uma prisão.
- Não quero - negou o menino.
- Porque? - Perguntou o rapaz, sem entender.
- Não sei bem - respondeu o menino. - Me sinto bem aqui. Se eu for, vou ter que estudar e trabalhar a vida inteira. Poderei sair depois, mas eu sei que quanto mais a gente desprende energia em um caminho, mais firmados nele nos tornamos. Depois fica difícil para sair. Não quero passar a vida inteira trabalhando.
- Todo mundo faz isso, meu jovem - afirmou o rapaz.
- Eu sei - confirmou ele. - Mas vejo a maioria das pessoas sofrendo. Quero viver tranquilo e ser feliz, viver em paz. Então, olhando para esse lado, alguma coisa me diz para ficar aqui.
- Tudo bem - disse o rapaz. - Não posso esperá-lo, tempo é dinheiro. Vai se arrepender depois.
E então ele entrou na porta de novo e a porta se fechou.
Logo que o rapaz saiu, aquelas palavras - "vai se arrepender depois" - ficaram na cabeça do menino por um tempo. Ele ficou refletindo nelas, e sentiu certo medo. Mas já tinha decidido ficar ali, se arrependendo ou não, não faria diferença agora. Então resolveu não pensar nisso.
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A terceira porta se abriu. Tinha uma casa grande lá dentro, com duas lindas crianças. Uma mulher bela, loira, e com vestido de casamento saiu de lá.
- Oi - disse ela com aquela voz doce. O menino ficou encantado com a beleza dela. - Vem comigo, serei sua esposa. Eu tenho muito dinheiro, então você não precisa se preocupar com isso. Olhe - disse ela apontando para as crianças -, são nosso filhos. Lindos, não são?
Eram realmente crianças lindas, mas nada comparado a ela. Ela era muito bela, e tinha uma voz doce como morango. As crianças acenavam para ele, com aquela carinha fofa que dava vontade de apertar. O menino estava encantado, não tinha palavras...
- Nossa! - Exclamou ele. - Isso tudo é verdade?
- É claro que é, meu querido - respondeu a moça. - Vem logo, vamos ser felizes para sempre.
O menino não conseguia nem raciocinar direito com tanta beleza, foi logo desfazendo as pernas cruzadas. Mas então alguma coisa no peito dele gritou: "FIQUE AÍ!". Ele achou aquilo super estranho, mas parecia muito real. Alguma coisa estava mandando ele ficar.
- Não posso ir - disse ele, cruzando as pernas novamente.
- Porque? - Respondeu a moça, com uma carinha triste.
- Alguma coisa mandou eu ficar, então vou ficar.
- Que coisa? - Perguntou ela.
- Meu coração.
- Pare com isso - disse a moça. - Isso não existe. Venha - insistiu ela com um largo sorriso.
- Não. Já decidi - respondeu o garoto.
- Tudo bem - disse a moça. - Fique aí sozinho então. Nunca mais achará alguém tão boa quanto eu.
E então aquela bela moça fechou a porta e sumiu.
Depois que ela fechou a porta, ele ficou com as últimas palavras dela ressoando na mente. Talvez ela estivesse certa, seria difícil arranjar alguém como ela. Ela era realmente muito bonita, e parecia ser uma pessoa super doce. Ele se sentiu triste, mas não havia o que fazer. Ficar pensando nisso agora não faria diferença, ele já tinha decidido ficar ali e ela já tinha ido embora. Não havia mais volta.
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Foi então que última porta se abriu. De lá saiu um bobo da corte. Havia um reino lá dentro, com um grande castelo.
- Venha, meu rei - disse o bobo da corte, estendendo uma coroa de ouro e de pedras preciosas. - Venha assumir o seu trono.
Ele era um rei? Ual! Sensacional!
- Eu sou um rei?! - Perguntou o garoto, excitado.
- Sim - respondeu o bobo da corte, sorrindo. - Todos lá te amam.
O menino parou para refletir um momento... Aquela era uma oportunidade única. Ser um rei? Imagine só tudo o que ele teria? Deveria ter um tesouro só dele, e muitas riquezas. Seria amado por todos, venerado, adorado. Era a última porta, se ele a recusasse, não haveria outro caminho. Então ele se levantou e começou a caminhar até a porta. O bobo da corte deu um largo sorriso para ele.
Quando se aproximou do bobo da corte, o bobo estendeu a coroa e a colocou em sua cabeça. Depois o bobo entrou de novo pela porta, acenando para ele entrar também. Quando o menino estava colocando um pé para dentro, aquela voz no peito retornou: "não vá! Não vá!"
O menino não entendeu nada. Porque ele deveria recusar? Ora, ser um rei. O que havia de melhor que isso? Mas a voz continuava: "não vá! Não vá!"
Não tinha sentido nenhum aquela voz. Se ele não fosse, ficaria de novo no tronco, sentado, sem caminhos e sem portas. Não havia sentido... Ele iria entrar sim. Quando tornou a caminhar, o corpo dele se moveu para trás, parecia contra a ação de seu desejo.
- Não - negou o menino, sentindo certa irritação. - Não vou. Fique você aí, seja você o rei. Tome sua coroa - o menino jogou a coroa longe. O bobo não entendeu nada.
- Porque, meu rei? - Perguntou o bobo, com cara de bobo.
- EU NÃO SOU SEU REI! - Bradou o garoto, ferozmente, empurrando a porta de vez e fechando ela na cara do bobo da corte.
O que tinha sido aquilo? O menino não tinha feito aquilo, não era ele. Foi completamente espontâneo, parecia contra o controle dele próprio.
Voltou-se então caminhando para o tronco, completamente confuso.
"O que eu vou fazer agora?" - Pensou o garoto. - "Não há mais caminhos, todas as portas se fecharam. E eu, seguindo essa voz inútil, acabei aqui, trancado nessa sala redonda, sozinho, sem ninguém... Grandes bostas você é" - terminou ele, se referindo a Deus.
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Então o garoto sentou no tronco, pensando que poderia ter feito a maior besteira de sua vida. Ele houvera negado todos os caminhos que fora convidado, e, de verdade, pareciam todos bons caminhos. Não tinha lógica para a besteira que tinha feito. Ele estava seguindo uma voz, no peito dele, que, se fosse pensar, não havia nenhum sentido lógico. Ele se sentia um idiota.
Mas não havia o que fazer, já tinha acontecido. Arrependido ou não, ele estava ali, sozinho. Tudo o que ele tinha a fazer era, nada.
Então ele ficou sentado ali. Passaram-se dias, meses, anos; e as portas, com o tempo, foram desaparecendo. Ele ficou sozinho ali, naquela sala redonda, em cima do tronco, sem nenhuma porta, sem nada.
Anos depois, um belo dia, uma porta se materializou na frente dele. Era uma porta simples, toda de madeira. Ela abriu sozinha. Tinha um bosque lá dentro.
O menino olhou para dentro daquela porta, sentindo grande curiosidade. Ninguém a abriu, abriu sozinha. Ninguém o estava convidando a entrar. Sem razão, ele sentiu uma forte vontade de ir lá verificar o que havia dentro. Então se levantou e se dirigiu até a porta. Havia algo estranho dessa vez; não havia dúvidas, não havia vozes... Ele queria mesmo entrar ali, não tinha nada apontando contra.
Quando olhou para dentro da porta, havia uma dezena de crianças naquele bosque. Pareciam estar brincando... Sim... Brincando de esconde-esconde.
Ele gritou ainda dentro da salinha:
- Eiii!
As crianças pararam e olharam para ele.
- Quem são vocês? - Perguntou ele.
As crianças se entreolharam, confusas.
- Eu não sou ninguém - respondeu uma delas, gargalhando.
- Eu sou um mago! - Respondeu a outra, sorrindo. Ela não parecia um mago, nem um pouco. Era uma criança comum.
- Eu sou um guerreiro da princesa, vou salvar ela! - Disse outro garoto, também não se assemelhando nada a um guerreiro. Era um menino comum, sem camisa.
- Eu sou o que eu quiser ser - disse outro menino, saltitando.
Ele olhou para aquelas crianças, pareciam todas loucas. Mas eram muito verdadeiras. Elas tinham um sorriso sincero, brincalhão; e um lindo brilho no olhar, vivo.
- Ei - disse uma menina. - Quer brincar com a gente?
O menino sentiu uma grande vontade de brincar. Aquilo vinha de dentro do peito, era quase uma euforia.
Eu quero! - Respondeu ele, com firmeza.
Venha, então - disse a criança.
Então ele entrou pela porta, se juntando a elas. A porta desapareceu. Ele estava agora dentro do bosque. Como estava entrando na brincadeira agora, era a sua vez de contar.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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