Ele acordou no meio da cidade atordoadamente assustado. Ele estava vivendo no meio de monstros, todos querendo engolir uns aos outros. Os monstros se olhavam, conversavam entre si, se alimentavam das palavras e conversas; e ele estava apenas estranhando, o que havia acontecido com o mundo? O que havia acontecido com ele?
Ele sempre vivera ali, no meio do pessoal, e era todo mundo normal. Eram apenas seres humanos. De uma hora para a outra, que nem em sonho quando a gente muda de lugar de repente, ele começou a ver caveiras no lugar daqueles rostos. Aquelas pessoas não estavam mais vivas, estavam todos mortos.
Nada havia mudado, estava tudo igual, mas agora ele podia ver algo que antes não via. Eram mortos-vivos se alimentando de toda a vida.
Agora que ele podia ver, era tudo tão estranho. O amor que é a vida, se transformara em competição, em julgamentos, que é a morte. A competição matava cada ser vivo que aparecia ao redor transformando todos em mortos-vivos. A competição gerava divisão, fragmentação. A competição era o vírus da morte.
Alguns mortos se alimentavam porque tinham fome, outros mortos apenas ficavam quietos, porque tinham medo, sentiam estarem errados. Mas estavam ambos mortos. Nenhum deles conseguia mais ver nem a morte e nem a vida. O vírus da morte os cegou.
Mas era através desses dois que o vírus da morte atuava, era assim que funcionava. Os que tinham medo forneciam alimento para aqueles que aprenderam a se alimentar do medo. Eram duas classes de mortos-vivos: os que davam alimento, e os que comiam. Ambos tinham a mesma importância aos olhos da morte. Ela não poderia propagar seu vírus se não existissem ambos os lados, ambos eram necessários. Era um ciclo. Se um dos lados acordasse e descobrisse o que estava acontecendo, a morte e o seu vírus cairiam por terra. Se fossem os que comiam, eles parariam de propagar o medo para os que davam alimento a eles. Se fossem os que tinham medo, deixariam de temer e o alimento pararia de ser gerado, e ambos os lados seriam aniquilados.
Ele olhava fundo nos olhos dos monstros tentando lhes dizer: "gente olha a vida, gente olha a vida...", mas não havia mais nenhum sinal de luz naqueles olhares. A morte tinha se espalhado mais do que ele poderia imaginar.
Ele ficou desesperado... Saiu correndo pelas ruas da cidade buzinando de porta em porta, mas todas as portas estavam fechadas. Não havia resposta. Nem mesmo na porta de seus amigos ele conseguia uma abertura. A competição tinha se espalhado e matado todo mundo. Era exatamente como um vírus, só que com a velocidade de um tornado.
Ele saiu pelas ruas novamente e foi em direção aos templos. Meu deus! - Pensou ele. - Nem os locais mais sagrados haviam sido salvos. A morte havia percorrido todo o lugar, agora estava trabalhando lá dentro disfarçadamente.
O rapaz postou-se a chorar. Ele nunca houvera sentido tamanha solidão em toda a sua existência. Ele estava sozinho no mundo, e ele não tinha ninguém com quem compartilhar essa descoberta. Ele era o único que via a morte.
A única coisa que ele não conseguia compreender era porque que o vírus da morte não o afetava; apenas causava um pouco de peso físico, mas não podia tomar conta e agir por seu intermédio.