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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O segredo do chapéu de Merlim



Merlim, porque você usa um chapéu longo e pontudo?
- É que preciso de muito espaço vazio. Espaço vazio abarca o que é necessário para novas idéias, então eu deixo sempre um espaço vazio preenchendo minha cabeça.
- Mas Merlim, as ideias surgem do nada?
- Hum... Quase isso... É que o nada não é nada, ele só é nada para caber espaço para muitas coisas que não sejam nada, mas ele tem sua própria qualidade.
- E como surgem as idéias?
- Olha, é simples... É só você jogar algo no nada e esperar pelo retorno. Você só pode receber algo novo a partir do nada, porque para que algo novo apareça é preciso de espaço. Todas as grandes descobertas vieram do nada, surgiram quando a mente humana havia cansado.
     Eu joguei a minha cabeça no vazio, então as idéias surgem diretamente nela. Eu devo salientar que é perigoso jogar a cabeça dentro do vazio, você pode se perder nele. A menos que você esteja ciente dos riscos que estará correndo, é melhor você nem se arriscar. Se você achar que mesmo com os riscos vale a pena, então você é um forte indicado a mago; mas alerto que poderá morrer sem conhecer a magia, ninguém poderá te garantir. Eu mantenho minha cabeça sempre mergulhada no vazio do chapéu, então as coisas surgem espontaneamente de lá.
     De qualquer forma, você pode colocar a sua mão dentro do meu chapéu, já que você não tem um chapéu de mago, e retirar sua própria ideia.
     Para carregar um chapéu e colocá-lo na sua cabeça, você precisará conquistar o seu próprio, como eu conquistei. 
     Vamos, tente uma vez, tente com uma pergunta. Pergunte algo que queira saber. 
     Entenda isso: a pergunta tem que ser sincera, uma dúvida que seja absolutamente sua, do seu coração. Se assim não for, o meu chapéu não poderá ajudá-lo. Se perguntar algo que não venha diretamente de você, a resposta que receberá será confusa, pois a sua pergunta foi confusa para o chapéu. O chapéu é feito do mesmo material que o seu coração, então se a pergunta vier dele, ele saberá responder.
     Você pode estar cheio de ideias que coletou no mundo externo, e assim perdeu sua própria pergunta. Então talvez você precise encontrar um espaço vazio primeiro, porque é de lá que vem os reais questionamentos. Vamos, coloque sua mão aqui dentro e faça uma pergunta...

     E, tirando o chapéu, estendeu-o para que o menino mergulhasse sua mão. O menino mergulhou a mão, fechou os olhos, meditou um pouco... Mais um pouco... Só um pouquinho mais... E algo lhe surgiu... Ele disse em voz alta: "- Quero saber o que é um vício, como posso me livrar dele, e se o amor também pode se tornar um."
     O mago olhou curioso para aquele menino: que pergunta anormal, aquilo só poderia ser real! Mesmo o mago estava curioso para saber o que o chapéu responderia.
     Logo após ter feito a pergunta, uma energia entrou pelas mãos do menino, percorreu os seus braços, tomou conta de todo o seu campo energético, e algumas palavras surgiram como mágica em sua consciência:


     "Qualquer química que entra no corpo tenderá a gerar um ciclo vicioso. A química entra no corpo e abre um novo espaço que antes não existia. Uma vez que esse espaço foi aberto, a química que a preencheu irá embora, pois a química não é fixa. 
     Uma vez que ela vai embora, fica um buraco, um buraco que foi deixado por aquele espaço que foi criado e preenchido. O buraco será sentido como uma falta daquilo, ou mesmo uma nova sensação, uma nova química, que irá preencher o buraco e formará um grupo com aquela química inicial - elas estão de certa forma ligadas, são interdependentes, pois tem origem no mesmo espaço. Essa sensação gera um desequilíbrio, que vai se movimentar para se equilibrar, gerando novas químicas.
     A química pode ser encontrada também nas emoções, pois cada nova química gera uma nova emoção (que é o reflexo dela sentido no corpo), e cada emoção gera uma química associada (que é a informação captada pelo cérebro). O pensamento também pode gerar uma química, pois gera uma emoção.
     Quando a química vai embora, ela deixa um rastro que não existia. Nosso cérebro gera novas químicas para equilibrar com a nova gerada pelo rastro.
     Para sair de um ciclo químico, basta saltar fora daquele grupo químico específico - não alimentando-o -, e depois esperar observando toda a sua variação; seja em pensamentos, emoções ou diretamente da química. É como uma bateria, se você não a alimenta, quando ela está sendo consumida ela se dissipa com o tempo.
     Você tem que esperar, pois qualquer química inserida gerará um novo ciclo, ou dará continuidade ao mesmo. Uma nova química poderá ser também uma reação emocional àquela química já existente.
     O amor também gera uma química, pois gera um novo grupo de emoções, e então um novo corpo emocional, e então um novo ciclo. É ai que tá, vivê-lo ou não?"

     O garoto ficou espantado. Como aquilo era possível? Ele não conseguia acreditar. Começou a duvidar mentalmente com a certeza de que aquilo não tinha sido real. Merlim percebeu sua apreensão e o perguntou:

- O que aconteceu?
- Veio tudo na minha cabeça, palavra por palavra...
- Sim... Mas é exatamente assim, parece mágica. Essa foi uma das razões para que muitos magos e bruxas do passado fossem condenados. Ninguém conseguia explicar de onde eles conseguiam fazer aquelas coisas, então as pessoas começaram a dizer que eles tinham pacto com algum demônio, ou coisas parecidas, então os caçavam possuindo a razão do grupo
. Hoje temos sorte, não somos mais bruxos, somos loucos. Agora fazemos parte do mundo deles, então estamos seguros, não precisamos mais ser caçados.
- Hum... é possível fazer de novo?
- Creio que sim, mas eu não posso dar certeza. Essa mágica depende muito do vento, é ele quem trás... Mas porque não tenta?

     Então mais uma vez o mago estendeu o chapéu e o menino mergulhou a mão. Dessa vez ele já sabia o que perguntar, então disse: "- O que pode acontecer quando eu estiver saindo de um ciclo químico?"
     O menino ficou esperando com a mão lá dentro, mas nada acontecia. Ele sabia que algo tinha dado errado. O mago olhou para ele, desprendeu duas gargalhadas, e disse:

- O que você está esperando?
- Não aconteceu nada.
- Haha, isso acontece. No começo a gente espera que aconteça da mesma forma anterior, mas nunca é igual. O vento sempre te surpreende... Porque não tira a mão?


     E então o menino retirou a mão do chapéu, e sobre a sua palma havia um bilhetinho escrito em letra cursiva:


     "Você poderá sentir sonolência, tipo um "estar aéreo"
     Acontece algo como uma carência, falta, vazio, uma necessidade daquela química específica. Dentro do ciclo, a falta seria sentida como uma busca, e passaria despercebida. Mas fora do ciclo, sente-se uma brecha. É um pouco hipnótico, parece que você está em transe porque sentiu um vazio. Mas o vazio não é uma química, ele é a ausência dela.
     O alerta de que aquilo não está presente, a sensação de buscar aquilo - não é vazia, ela é cheia; e portanto tem uma química. O vazio é a ausência de conteúdo, e o conteúdo é conteúdo buscando por ele mesmo.
     A sonolência é parecida com uma desistência em buscar conteúdo, ou o conteúdo em desistência de sua atividade. É conteúdo inativo, é o conteúdo da falta de conteúdo. A sonolência é o mais vazio dos conteúdos, porque vem da falta deles, vem da janela deles, é o vazio sentindo a química da falta dela. 
     O pensar também é conteúdo, estando assim sempre em busca dele mesmo. O pensamento pensa pensamento que pensa pensamento, e assim vai. A ausência do pensamento, uma brecha, pode ser confundida com uma sonolência, que é o conteúdo da falta de conteúdo ou o pensamento sem pensar. Você pode sentir essa brecha e pensar "estou com sono (... Quero dormir, deveria ir para casa... Que horas são? Nossa, vai demorar...)", ato esse que retornaria para o conteúdo do pensamento. A maioria cai nessa armadilha.
     É fato que a química, o pensamento e a emoção, estão muito interligados. É quase impossível separá-los. É como se eles fossem a mesma coisa, atuando em diferentes planos."










~* Palavras que saem da Boca