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segunda-feira, 24 de março de 2014

O Príncipe Perdido


     Ele crescera como um garoto comum, como todos.
     Durante a infância, sempre foi um menino muito sonhador e apaixonado. Era muito inteligente, ágil, criativo e esperto. Um pouco tímido e medroso, mas um garoto de bom coração.
     Ele vivia intensas paixões, a maioria em segredo. Ele tinha medo de revelá-las, mas era um garoto muito apaixonado. Ele escrevia nas paredes, no box do chuveiro, quando ouvia música imaginava... Tudo em relação à pessoa amada. Era muito sonhador, e ele gostava disso.
     O estranho disso tudo é que suas paixões sempre foram inocentes. Não eram carnais, totalmente pelo contrário. Quando ele se apaixonava por alguém, ele não pensava na carne, só no sentimento. Só na beleza, só no amor. A carne era irrelevante... Mais do que isso, era até negada por ele. Ele sentia como se o lado carnal estragasse o sentimento, e o evitava à finco.

     Desde pequeno, ele manteve sempre uma forte noção de amizade. Talvez fosse exacerbado, porque era tipo uma idealização, e isso atrapalhava o que acontecia na realidade... Mas ele nunca a quebrou, sempre a manteve. Ele sempre imaginou a amizade como algo sagrado, inquebrável, fiel, sem curvas, até romântico... Quase divino. A forma como ele via a amizade nunca fora correspondida com a realidade, mas ainda assim, ele acreditava na forma que ele via, e manteve isso mesmo não acontecendo.

     Quando foi crescendo, ele percebeu que o que carregava dentro de si, não correspondia com o que era visto lá fora. O amor que ele via e que sentia, nunca era igual ao recebido. A noção de amizade que ele tinha e agia por, nunca era igual à recebida. Talvez isso acontecesse com muita gente, e essa gente moldasse seus "modelos" internos para se ajustar à realidade... Mas não foi assim com esse garoto, simplesmente ele não agia assim. Por mais que houvesse choque entre seu íntimo e a realidade, ele mantinha o íntimo, independente das decepções.

     Talvez isso tenha se tornando um problema, porque, como ele mantinha o íntimo inocente, e as pessoas lá fora o moldavam para se ajustar, o garoto foi ficando desajustado. Ele mantinha a semente doce do amor, mas não podia amar porque a semente receptora havia sido destruída. Ele mantinha o doce sentimento da amizade, mas não podia vivê-la porque aquele sentimento só existia nele. Aos poucos, o garoto foi se tornando um estranho...

     Quando foi chegando à fase adulta, essa estranheza foi ficando mais visível. As pessoas seguiam por um caminho: moldando seu íntimo à realidade; e o garoto seguia por outro: mantendo seu íntimo independente da realidade; então, já adulto, essa diferença ficou muito extrema. As pessoas já tinham caminhado demais, e o garoto continuava no mesmo lugar; puro e inocente.

     A pureza inocente é frágil, como uma criança, e era exatamente assim que aquele garoto adulto ainda se sentia. Quando ele se aproximava dos outros adultos de sua idade, algo acontecia de estranho. Dentro dele, algo se tremia, algo se abalava. Os adultos faziam seu interior temer. O modo como eles agiam, o modo como falavam, a energia que emitiam... Simplesmente era pesada demais para o que havia dentro do garoto. Era uma pedrada.
     O garoto não entendia muito bem o que acontecia, ficava muito confuso. Então, intuitivamente, passou a se afastar das pessoas. Passou então a andar muito tempo só. Esses momentos foram de ouro.

     Andando sozinho, o garoto foi ficando cada vez mais conectado consigo mesmo, mais alerta e crescido em entendimento. Ele ganhou plena clareza de percepção quanto às suas sensações e movimentos internos.
     Ele ficou íntimo de si mesmo. Ele agora enxergava o seu amor ainda puro, sua amizade doce no coração, e passou a perceber como os humanos adultos machucavam seu interior apenas em se aproximar. Apenas em chegar perto.

     Como não tinha como dar fluxo ao seus belos sentimentos com os seres humanos, ele passou a jogá-los ao vento. Passou a escrever, sonhar, sentir, dar às flores, aos animais... E sempre com tentativas, mal sucedidas, de dá-los também aos seres humanos. O que ele queria mesmo, o foco de seu amor, eram os seres humanos. Era um desejo não satisfeito. E, como era de manter o seu íntimo natural, ele mantinha esse desejo mesmo não conseguindo satisfazê-lo.

     Com o tempo, com o estar sozinho cultivando seus sentimentos com o vento, eles foram crescendo. O interior do garoto foi ficando mais vivo, mais preenchido, mais cheio daquilo. Então, agora, as outras pessoas caminhavam e ele também. Antes, elas caminhavam e ele continuava na inocência. Agora ambos estavam caminhando. O garoto caminhava crescendo sua beleza interna, e os outros caminhavam crescendo sua dureza e astúcia interna. Então agora é que eles foram ficando ainda mais pólos distantes.

     Se antes o garoto se tremia com o falar, energia e aproximação das outras pessoas; agora acontecia pior. Ele era mais sensível ainda. Mas agora era um pouco diferente, porque ele estava crescido em si mesmo. Ele não ficava mais confuso, ele via com clareza o que estava acontecendo, porque se conhecia. Então ele aprendeu o seu caminho, o caminho para se manter seguro. Ele agora cuidava de si mesmo. Afastava-se quando preciso, defendia-se quando preciso, consciente do que estava fazendo.

     O garoto, de tão estranho, foi perdendo a capacidade de conviver no meio social comum. O que ele cultivou dentro, não condizia com a sociedade. Era demais para a sociedade e a sociedade era demais para ele. Ele sabia disso. Ainda assim, optou pela beleza. E ele continuava caminhando... Sonhando com belas pessoas, como ele, que cultivavam a pureza, beleza e magia de viver...

     Todo aquele mar de sentimentos já estava grande demais dentro dele, ele já não conseguia se conter... Ele começou a vomitá-los, alguma coisa ia acontecer...




~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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