Chateado com a vida, com as coisas nunca acontecendo do jeito que ele queria, ele saiu da cidade e foi caminhando em direção ao bosque. Ele queria ficar sozinho. Isso não era incomum, volta e meia ele sentia essa vontade. Mas ele nunca houvera caminhado para tão distante.
Do jeito que as coisas estavam andando em sua vida, ele já estava praticamente desistindo, pensava até em suicídio.
Andando pelo bosque, sem rumo, encontrou uma pedra alta, próxima de um rio. Ele a escalou e sentou-se no topo, sentindo toda aquela angústia sufocante no peito.
Ele olhava para o caminho que tinha subido, e tinha pensamentos suicidas. Pensava em pular da pedra, de cabeça no chão.
Olhava para o rio e também tinha pensamentos suicidas. Pensava em se jogar no rio e deixar a corrente o levar até uma cachoeira. Quem sabe depois de sua morte ela não fosse chamada de Cachoeira da Morte. Ele achou aquele pensamento engraçado, até riu consigo mesmo.
Esses pensamentos eram espontâneos, aconteciam em sua mente contra a vontade dele. No fundo, ele não queria mesmo se matar, aquilo era só momento. Ele acreditava que a vida era boa em algum sentido, ele só não estava enxergando isso agora.
Ele acreditava que a vida era beleza, era amor, era alegria, era mágica e poética. Então ele acreditava que ele apenas estava perdido, pois não estava sentindo nada daquilo. Talvez isso tudo fosse idealização dele, a vida como um sonho... Ainda assim, era espontâneo. Ele carregava aquela crença com ele desde pequeno, aquilo nascera com ele.
Por carregar aquilo desde sempre, ele não aceitava a vida sofrida. Quando estava sofrendo, para ele, algo deveria estar errado, porque a vida não era para ser assim.
Isso o fez sempre ser um garoto estranho, porque as pessoas pareciam estar acostumadas, habituadas e aceitas ao sofrimento. Como se o sofrimento fosse algo normal, como se a vida fosse mesmo sofrida. O garoto não aceitava isso. Ele ficava inquieto, confuso e agitado. E como as pessoas aceitavam, dizendo que é assim que a vida é, o garoto parecia estranho. Diferente de todos.
Um pássaro pequeno veio voando lá de longe, piando alto, e despertando a atenção do garoto. O pássaro vinha na direção dele.
O pássaro foi se aproximando e pousou num pedaço alto da pedra, bem próximo ao garoto, ficando praticamente na altura do pescoço dele.
O garoto pensou que se ele se movesse, assustaria o pássaro, e ele não queria isso. Estava achando interessante aquele pássaro perto dele. Então ficou quietinho, apenas olhando para o pássaro.
O pássaro, estranhamente, ficou olhando fundo nos olhos do garoto, frente a frente.
Aquilo era muito estranho, o olhar negro do pássaro estava muito fixo nos olhos do menino. O pássaro apenas piscava, mas não desviava o olhar. Era como se ele estivesse reconhecendo o garoto.
O garoto, intrigado, ficou olhando também para os olhos do pássaro, se sentindo um pouco incomodado, com um pouco de medo, mas ainda maior do que isso era o seu interesse naquele olhar curioso do pássaro.
O passarinho então coçou as penas com o bico, desviando o olhar do garoto, e depois tornou a observá-lo nos olhos.
O garoto tomou um susto quando o passarinho olhou de volta, seus olhos eram duas chamas de fogo. Mas depois de três segundos, voltaram a ser negros. O menino ficou sem entender, achando que aquilo foi uma miragem.
O passarinho abriu as asas e as esticou de ponta a ponta, levantando o pescoço e fazendo uma pose confiante, como se estivesse se exibindo. Então iniciou voo, se distanciando da pedra, e parando lá em baixo, na base do bosque, em cima de uma estaca de madeira.
Assim que parou, o pássaro virou os olhos para o garoto e o ficou olhando novamente, agora lá de baixo. Ele parecia querer dizer alguma coisa... O garoto achou que era para segui-lo, então desceu a pedra, e caminhou na direção do pássaro.
Quando estava se aproximando do pássaro, este abriu as asas e levantou voo. Voando lentamente.
Ele dava um salto, e parava um pouco distante. O garoto o seguia e ele dava um novo salto, parando novamente a uma certa distância.
O garoto o foi seguindo. Eles foram andando por um caminho por entre as árvores, até que chegaram em uma ladeira.
Havia uma muro de pedra na ponta da ladeira. O passarinho voou e pousou ao lado do muro de pedra.
O garoto subiu a ladeira, bastante inclinada, e parou perto do pássaro. Ele não voou. Ficou quietinho, olhando para o garoto.
Ficou assim por um tempo...
- O que você quer? - Disse o garoto, sem saber o que fazer.
O pássaro continuou quieto, apenas bateu as asas e se ajeitou confortavelmente.
O garoto ficou olhando para o pássaro, sem entender.
Depois de um tempo, o pássaro piou alto, assustando o garoto porque foi repentino, e bateu com o bico no muro de pedra. O muro de pedra foi se abrindo lentamente, como um portão.
O garoto ficou olhando aquilo, curioso.
Assim que o muro foi se abrindo, o ar começou a ser sugado em uma rajada para dentro dele, como se houvesse um vácuo lá dentro.
Era escuro lá dentro, não dava para ver o que havia lá.
Quando o portão terminou de se abrir, o pássaro levantou voo e foi para a outra lateral do portão, pousando num alto relevo do muro. Ficou olhando para o garoto. O garoto continuava sem entender.
O garoto se aproximou do portão, para olhar melhor. Não havia nada lá dentro, puro vazio, sugando o vento. Um breu total. Dava medo.
- Se você me trouxe aqui e abriu o portão... Você está querendo que eu entre, não é? - Disse o garoto para o pássaro.
O pássaro continuou imóvel, olhando para ele.
- Eu não vou entrar aí, não tem nada lá dentro, só sombras - disse o garoto. - Dá medo...
O pássaro continuou imóvel, olhando para o garoto.
Havia algo diferente naquele pássaro; ele era calmo, não tinha medo. No geral, os pássaros sempre mantinham um olhar distante, um pouco assustados... Mas esse pássaro não, ele tinha um olhar profundo... O olhar dele comunicava algo que não há como descrever. O garoto sentia isso, o olhar do pássaro falava com ele...
- Você quer mesmo que eu entre aí, não é? - Disse o garoto novamente para o pássaro.
O pássaro continuava imóvel. Volta e meia sacudia as asas, mas então voltava o olhar ao garoto.
- O que tem de interessante aí dentro? - Disse o garoto para si mesmo, se aproximando um pouco mais do portão.
O pássaro acompanhava o movimento do garoto com o olhar, excepcionalmente atento.
Não havia nada lá dentro, só escuridão.
- Ah, eu vou entrar - disse o garoto, com firmeza. - To cansado disso tudo aqui, to nem aí.
Então o garoto entrou.
Assim que entrou, o garoto estranhou.
Logo que atravessou a escuridão, ele estava no mesmo lugar, igualzinho. As mesmas árvores, o mesmo muro, o mesmo gramado... O mesmo lugar. Apenas o pássaro não estava lá.
Ele olhou para trás e havia o mesmo portão, imerso numa profunda escuridão, então olhou para a frente de novo.
Que coisa estranha - Pensou ele.
O menino olhou para o ambiente com mais atenção. Ele estava enganado.
Era o mesmo lugar, porém estava muito diferente. As árvores estavam brilhando, pareciam vivas. As folhas caíam das árvores parecendo uma melodia, uma melodia muito silente. O gramado estava estonteante, um verde muito vivo.
Os olhos do garoto brilhavam ao observar aquela paisagem. Toda aquela paisagem tocava o garoto. Cada folha, cada árvore, cada balançada do vento; transmitia algo a ele. Comunicava alguma coisa. Estava tudo vivo. Tudo isso, com feixes de luz do sol cortando por entre as folhas, era magnificamente magnífico. Era uma pintura, uma obra de arte. Uma contemplação.
Foi então que o garoto ouviu um barulho atrás dele, vindo do portão. Virou-se na mesma hora.
Um bico saiu de dentro daquela escuridão, acompanhado por uma pelagem vermelha-alaranjada faiscante, em chamas. Era um pássaro, um pássaro dez vezes maior que aquele. Sua pelagem pegava fogo.
Ele atravessou o portão e passou à frente do garoto, dando um voo circular, exibindo três lindas caudas, com penas coloridas, alternando entre laranja e vermelho, e algumas pingadas azuis... Todas imersas em chamas.
Depois do voo exibicionista, ele passou novamente pelo garoto e pousou na lateral do portão, no mesmo alto relevo em que o outro pássaro estava.
Logo que pousou, olhou para o garoto. Era aquele mesmo olhar profundo. O garoto reconheceu, era o mesmo pássaro.
- O que aconteceu com você? - Perguntou o garoto.
- Essa sou eu - respondeu o pássaro. Ele tinha uma voz doce, tranquila, feminina.
O menino tomou um susto ao ouvir uma resposta. Ele não esperava por isso.
- A magia e a realidade estão lado a lado - contou o pássaro. - Tudo o que é preciso é atravessar um portão escuro.
- Essa sou eu - continuou o pássaro -, mas você não podia me ver porque não enxergava a magia. Não me vendo, eu não posso falar com você, você não pode me compreender.
- As vezes, nós, mágicos - continuou o pássaro -, temos que entrar no mundo de vocês, tentar nos comunicar com vocês sem poder falar, apenas para resgatar e reviver vocês. Vocês sofrem porque não enxergam a magia, e tudo o que é preciso é atravessar um portão escuro.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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