Ele crescera com um ancião, um velho muito sábio.
Logo que nascera, fora abandonado pelos pais em uma caixa de papelão logo à porta do velho.
Um dia, o velho saiu pela rua, encontrou o menino chorando, levou-o para casa e se afeiçoou a ele. O velho então adotou o menino como seu próprio filho.
O velho era recluso do mundo. Vivia em sua própria casa, distante de tudo e de todos, vivendo de sua própria plantação e de seus próprios frutos.
O garoto, desde pequeno, dissera ao velho que não queria ser como ele, que queria ir para o mundo viver suas aventuras.
O velho, bastante sábio, não interferia no caminho de ninguém. Se ele desejava ir para o mundo, o mundo é o seu lugar.
Então, o velho colocou ele na escola e depois ele entrou na universidade. O velho era apenas sua casa. O garoto ia, vagava pelo mundo, e quando voltava, o velho estava lá, de braços abertos e sorridente.
O velho não se importava se o garoto queria ser diferente dele, ele entendia as coisas como são, sabia que cada um tem seu caminho e sua hora para tudo.
Então o menino terminou sua faculdade e começou a trabalhar.
O jovem, desde a faculdade e até então, percebeu que ele estava ficando mais estressado à medida que o tempo ia passando.
Tudo estava tenso; os dias estavam apertados, sufocantes, e ele não conseguia um minuto de pausa, de descanso. Parecia que tudo estava empurrando ele, empurrando sempre. E ele, como se fosse um fruto do destino, estava sofrendo. Era como se ele não tivesse escolha.
Ele já estava ganhando um bom dinheiro e tinha comprado sua própria casa. Mas não tinha muito tempo para desfrutar de seus bens, a vida era muito corrida. Ele não tinha culpa, ela simplesmente era assim. Não foi escolha dele.
Sempre que ele tinha um tempo para visitar o velho, ele ia, e, quando chegava na casa do velho, o peso do mundo que o circundava instantaneamente se dissolvia. Ele conseguia descansar.
O velho parecia estar sempre mais em paz do que das vezes anterior que ele tinha o visitado, parecia que a paz do velho estava sempre crescendo. E essa paz parecia que entrava nele também. Era um estranho contraste. O garoto, que era jovem, ficava cada vez mais tenso; e o velho, que era idoso, ficava a cada dia mais radiante, mais juvenil.
Ele não conseguia compreender porque o velho era assim. O velho não fazia nada, vivia só, em casa.
Um dia desses, visitando o velho, ele ficou curioso:
- Meu velho, porque você está sempre assim? Cada vez mais radiante? A morte está se aproximando, você devia estar se preocupando.
- Meu anjo do céu - respondeu o velho -, eu já morri a muito tempo. Não tenho mais medo da morte.
O garoto nunca entendeu o que o velho queria dizer quando dizia isso, mas ele dizia isso desde que ele era um garotinho.
Ele achava que era alguma forma do velho se contentar com a morte. Mas o velho realmente tinha algo diferente; ele era como um lago calmo, um lago sem peixes, sem ondas. O garoto nunca conhecera ninguém assim, só seu velho.
O garoto estava tendo uma sensação estranha. Ele sempre soube que seu velho era um homem de paz, mas isso nunca despertou sua atenção como agora. Ele vinha sofrendo. Muita correria, muito peso em cima dele. Aquela paz do velho parecia aconchego, salvação.
- Meu velho - disse ele -, é possível ser como você? Essa paz...
- Sim, meu filho - respondeu o velho -, todo mundo pode ser assim. Basta abandonar tudo e abraçar a morte. Ela está a cada dia mais perto, e ela é uma ameaça, porque quando ela vem, quando ela bate à porta, quando ela está chegando perto; tudo acaba, tudo começa a perder sentido. O dinheiro acaba, os bens acabam, o alimento acaba, o relacionamento acaba; tudo acaba. Se abraçarmos ela logo, antes de sua chegada, ela não assustará. Nada mais assustará, porque já estaremos mortos.
- Velho - disse o jovem -, eu não posso abandonar tudo... É muita coisa. Não da para fazer isso, tenho medo, não da para saber o que vai acontecer.
O velho ficou pensativo.
- Tem um outro caminho... - Disse o velho. - Nesse caminho, nada precisa ser abandonado.
- Ele também me trás essa paz que o senhor transmite?
- Sim - respondeu o velho. - Essa é a única paz. Você a sente comigo, mas esse caminho pode tornar você um bagageiro dela. Então irá carregá-la como uma bagagem, como uma mochila, por todo lugar aonde for.
- Eu quero isso - disse o jovem com firmeza. - É tudo o que preciso. O que preciso fazer?
- Tem um livro, o Livro dos Segredos - contou o velho. - Eu vou te dar ele e você só precisa lê-lo e seguir todas as suas instruções à risca. Se o livro disser: não faça isso - não faça. Se o livro disser: aja assim - você age conforme ele está falando. E assim por diante. Então você continuará no mundo, porém agindo conforme o livro.
O jovem concordou.
Ele não podia abandonar tudo, mas podia sim seguir algumas instruções. Se não precisaria abandonar sua vida, tudo bem, era perfeito para ele. Ele continuaria trabalhando, estudando e agindo conforme o livro dissesse. Não parecia tarefa difícil.
Então o velho deu a ele o livro, e então ele voltou para sua casa.
No decorrer da semana, ele foi lendo o livro e agindo conforme ele dizia. O livro era simples, ensinava algumas regras de conduta para ser sábio.
O velho era sábio, isso o jovem sabia; então, se seguisse o livro, seria como o velho.
O livro dizia coisas como:
"Não deixe sua raiva dominar você. Se sentir raiva, não adianta discutir. Não responda. Aguarde."
"Você é um ser abençoado, um filho da natureza. Todas as manhãs, agradeça."
"Coma uma maça sempre antes do almoço."
"Quando o sol se pôr, faça uma oração, e agradeça por ter vida."
"Respeite os mais idosos que você."
(...)
E assim por diante. Muitas coisas simples, fácil de serem seguidas.
Aquele era o caminho e era simples. Magnífico! O menino começou a seguir imediatamente.
Antes do almoço, ele parava e comia uma maça. Quando o sol ia se pôr, ele parava e fazia uma oração. Quando sentia raiva, ele reprimia. Sempre que acordava, agradecia. E assim por diante.
Ele sempre fora um jovem muito nervoso, discutia muito com seus colegas de classe. Cada coisinha era um atalho para uma discussão.
Agora, com o livro, ele não estava mais discutindo. Quando alguém lhe ofendia, ele reprimia sua raiva e a segurava. Tremia por dentro, mas não deixava ela agir.
Estava resolvendo. Ele estava se sentindo melhor. Estava se sentindo diferente, novo, e isso o trouxe certa paz.
Passando um ano, seguindo o livro, o jovem voltou a se sentir sem paz. Ele continuava seguindo o livro, as orientações, mas estava cada vez mais difícil de fazê-lo.
Ele acordava cedo e ia agradecer. Mas ele não via razões para agradecer e se sentia muito estranho fazendo aquilo, forçado.
Antes do almoço, ele ia comer a maça, e estava cansado de maça. Perdia até a vontade de almoçar porque tinha que comer a maça.
Quando seus colegas o ofendiam, ele reprimia a raiva. Mas aquilo consumia ele, ele ficava borbulhando por dentro, machucava muito. E ficava cada vez pior, cada vez ele sentia mais raiva. Sentia uma fúria de outro mundo, e a prendia.
Sempre quando o sol se punha, ele ia fazer uma oração e agradecer por ter vida. Mas ele estava com raiva, sua vida estava uma droga, estava até pior agora. Ele não tinha razões nenhuma para agradecer, e nem orar, aquilo era idiotice.
Ele começou a ter ódio de tudo, raiva da vida. Raiva daquele livro imbecil e raiva do velho que disse que o livro ia trazer a paz. Não havia paz. Ele não estava em paz. Estava com raiva, com ódio. Se sentia traído.
Então ele resolveu visitar o velho.
Chegando lá, o velho o recebeu como sempre; tranquilo e manso. Antes do jovem chegar lá, ele estava borbulhando, com raiva do velho. Mas ao ver o velho, tudo passou.
- Meu velho - disse ele -, eu segui tudo que este livro falou e não estou tendo paz. Estou me sentindo pior do que antes. Não sabia nem que isso era possível, mas estou mesmo pior.
O velho sorriu. O garoto não entendeu. Então o velho disse:
- É assim mesmo. Você disse que não queria o abandono, e o abandono é o caminho mais fácil, porque a paz vem a você sem esforço. Então, você preferiu o caminho sem abandono. E o único caminho sem abandono é uma armadilha que o leve a abandonar. Então eu te dei esse livro, porque não há outro caminho.
- Você acreditou que tinha encontrado a solução. Então sentiu uma esperança e achou que essa esperança era a paz do velho. Mas esse livro te transformou num robô, mecânico. Agora você não vive mais, está completamente perdido. O livro é seu refúgio. Se você abandonar o livro, não saberá o que fazer, pois o que você é, é o que o livro diz.
- Agora você não sabe quem você é. Antes também não sabia, mas achava que sabia. Se soubesse, o livro não poderia fazer você ser diferente, porque você já estaria sendo você. Uma vez você, você é como o velho, você é sempre você. Nada o fará ser diferente, nem um livro e nem o mundo.
- Agora você não é mais aquele que não se conhecia, e sabe também que não é esse que se tornou sendo o livro, porque não se sente em paz consigo. Então, você está perdido. Está completamente perdido. Caiu na armadilha do mestre.
- Eu lhe digo, mate o livro. Queime-o. Será difícil, porque o livro se tornou quem você é. Se eliminá-lo, estará completamente no escuro. E, no completo escuro, só há um caminho: enxergar a luz, se encontrar.
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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