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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O Dia do Juízo Final



     De repente, o céu começou a fechar. Nuvens densas e negras surgiram distantes no horizonte, se agrupando, e tornando aquele inicio de tarde escuro como uma noite. Assim que o tempo escureceu, os cidadãos da cidade começaram a sair de suas casas para observar o que estava acontecendo. 
     Não estava previsto chuva para aqueles dias. Era verão, e nenhum sinal de frentes frias haviam sido anunciados pela meteorologia local. Eles se perguntavam uns aos outros, "o que está acontecendo?", mas ninguém sabia responder. Aquilo era novidade para todo mundo.
     O céu ficou coberto de nuvens escuras. Elas se encontraram umas com as outras, chocaram-se, e não houveram trovoadas. Nenhum sinal de chuva. 
     Um garoto veio correndo do outro lado da rua e parou perto do muro de uma casa, próximo à entrada dela, onde um pessoal tinha se encontrado para ver o que estava acontecendo. Havia umas quinze pessoas mais ou menos ali. Assim que parou, ele colocou ambas as mãos sobre os joelhos, inclinando o corpo ofegante, tomou um ar, e disse quase em sopro: "eu sabia, eu sabia! Eu sabia que esse dia ia chegar!"
    A dona da casa, que estava com o filho no colo, e duas meninas próximas a ela, uma já adolescente, perguntou ao garoto: "que dia menino? Do que você está falando?".
     "O dia do juízo final, dona." - Respondeu o garoto. - "O dia em que o enviado dos céus descerá com toda a sua fúria para acertar as contas de Deus, e julgar os seres humanos de acordo com seus pecados e sua conduta."
     Havia grande temor nas palavras daquele garoto, e, sensíveis que são, as crianças começaram a chorar assustadas, tanto o bebe, quanto a menina mais nova, a exceção da adolescente que olhou para o céu curiosa, "será mesmo?", ela pensava.
     "Isso não existe não menino", disse calmamente a mãe das crianças, "isso é uma história que contavam para a gente ter disciplina quando era..."
      Um grande estrondo interrompeu aquela dona. Aquele barulho vinha lá das alturas. Todos eles olharam para cima instantaneamente, por instinto.
     Um círculo de trovão e raios começou a se formar nas nuvens negras que estavam no céu logo acima deles. A intensidade dos raios no círculo foi aumentando, e ele começou a entrar em movimento, girando. O movimento foi aumentando de velocidade, e aumentando, até que não se via mais o movimento de tão rápido que estava; apenas uma bola de raio com grande energia. Então um outro estrondo ecoou daquela bola de energia, e ela começou a se abrir, abrindo um buraco de dentro para fora.
     Um raio saiu velozmente de dentro daquele buraco, atingindo o chão com força e assustando todo mundo. Atingiu o chão próximo àquele pessoal e, além de um grande buraco, deixou em seu lugar uma longa escada de concreto, que vinha do céu até o chão. O pessoal começou a ficar inquieto, muitos diziam "meu Deus!". Ouvia-se alguns gritos, "a profecia está se cumprindo", e alguns corriam estranhamente desesperados. As crianças seguravam nas pernas de suas mães, e algumas outras corriam para dentro de suas casas. O medo se alastrou. Muitos sabiam que carregavam muitos pecados e que poderiam ser exilados, ou pior, serem enviados diretos para o inferno.
     Da ponta da escada, lá de cima, começou a descer um ser com asas. As asas dele eram gigantescas, negras, deviam ter três vezes o tamanho daquele ser. Ele se assemelhava a um ser humano, porém era um pouco maior que um, possuía pele acinzentada e descia com aquelas asas esticadas de ponta a ponta, com cabelos compridos e escuros, e vestido por um manto negro rasgado em algumas partes. Segurava uma espada desembainhada na mão esquerda. Descia degrau por degrau lentamente, numa postura confiante a ameaçadora. Seus olhos eram vermelhos, e, de cabeça baixa e com o olhar fixo à frente, a fúria era visível em seu rosto. Enquanto descia, descargas elétricas saíam dele, em intervalos de tempo, fazendo um som parecido com o de fios elétricos em descarga, e empurrando o ar à sua volta para longe.
     Outras pessoas, ao verem aquele ser se aproximando, começaram a correr desesperadas. Aquele ser falou: "não adianta correr, eu vou achar você onde quer que você esteja! Repressor, enganador, destruidor de vidas, aprisionador da liberdade! Fuja, mas em breve eu irei achar você onde quer que você esteja!". A voz dele ecoava por todo lugar, parecia que dava para ouvi-la no planeta inteiro. Alguns pararam, com medo de algo pior, outros continuaram a correr, desesperados, não se davam nem tempo para pensar.
     Ele continuou andando, vagarosamente, se aproximando da terra cada vez mais. Quando pisou no ultimo degrau, e então no chão, ele parou próximo ao pé da escada, girou sua espada no ar e encravou a ponta no chão, enquanto suas asas batiam e se fechavam em torno dele, espalhando o ar à sua volta e jogando poeira para todos os lados. Com a espada encravada no chão e apoiando a mão esquerda no punho dela, ele levantou a mão direita, apontou o dedo para aquele garoto que falou da profecia, e disse:

- Você, me diga... Cade ele? - Sua voz parecia o som de milhares de vozes falando ao mesmo tempo.
- Ele quem? - Respondeu o garoto.
- Deus, cade Deus? - Continuou ele.
- Deus mora lá em cima, meu senhor. Esperávamos que ele tivesse te enviado para nos julgar. - Respondeu o garoto.
- Eu não vim para julgar, eu vim para matar. - As pessoas se assustaram ao ouvir isso. - Eu vim para matar Deus, ele está acabando com nosso povo.
- Senhor... - Continuou o garoto. - Nosso Deus mora lá em cima, com seus anjos, no céu.

     Aquele anjo negro ficou confuso.

- Garoto, não há Deus nenhum lá no céu. - Disse o anjo. - Sorte dele, se não eu já o teria encontrado. Eu desci para terra para encontrá-lo e acabar de vez com o problema de nosso povo, os anjos. Desde que Deus começou a ditar as regras por lá, nosso povo parou no tempo. A evolução acabou, todos estagnaram. Eu, mestre da guerra e protetor dos anjos, não podia ficar parado apenas observando isto acontecer. Eu tinha que tomar alguma atitude. Nosso Deus habita a terra, e por isso não temos contato com ele. Depois que meu povo escutou suas palavras, eles perderam a capacidade de evoluírem. Parece que se tornaram cegos. Deus passou a dizer tudo o que os anjos devem e não devem fazer, e eles cegamente seguem esses mandamentos. Eles não julgam mais por si mesmos. Então eles perderam o livre-arbítrio, perderem a capacidade de julgarem o que é bom ou ruim para si próprios, perderam a capacidade de seguirem sua própria experiência e assim evoluírem seus espíritos. Paramos no tempo.
- Meu senhor, eu insisto. - Disse o garoto. - Deus mora no céu. É de lá que eles nos observa e nos orienta. Devemos seguir seus mandamentos para não cairmos em falso, escapando do mal, e então assim podermos enfim ir para o céu.
- Garoto, está havendo um grande mal entendido, pois eu conheço o céu como cada pena de minhas asas e não há nada ali além dos anjos e eu.
- Senhor, isto é novidade para mim. - Prosseguiu o garoto, um pouco confuso. - Desde cedo aprendemos que Deus está nos observando lá de cima. Temos até um livro com suas palavras, nos ensinando o que é certo e errado para nós. Não há nenhum Deus aqui; somente nós, seres humanos, as plantas e os animais.

     O anjo parou por um momento e fechou os olhos. As pessoas ficaram olhando para ele, curiosos. Então segundos depois ele abriu os olhos e disse:

- Então houve um grande mal entendido e uma grande confusão. Vocês tem um Deus que devem obedecer e ele está lá no céu. Nós temos um Deus que devemos obedecer e ele está aqui na terra. Mas não há nenhum Deus aqui e nenhum Deus lá. Mesmo assim seguimos a vida inteira acreditando que tem alguém nos julgando. Nos sentimos até culpados a cada coisa que fazemos e que suas palavras dizem não serem corretas, o que é inevitável, pois já investiguei e faz parte da nossa natureza fazer certas coisas. Seguimos a vida inteira controlando nossos atos, assim não podemos ser naturais. E isso tudo por causa de um Deus que não está aqui e que também não está lá. Oh Deus! Eu preciso voltar ao céus e avisar a meu povo que Deus não existe por aqui. Talvez ele nunca tenha existido e nós tenhamos estado esse tempo todo nos controlando por causa de uma ideia da sua existência. Você! - Disse apontando para ele novamente. - Você devia avisar ao seu povo também, porque eu te garanto, não há ninguém julgando vocês lá de cima. Nós sempre invejamos vocês, humanos, porque acreditávamos que vocês eram livres disso, e que assim podiam viver em paz, sendo vocês mesmos, coisa que nunca tivemos privilégio em ser. Obrigado pelas palavras, devo avisar aos anjos o mais rápido possível e acabar com essa bagunça.

     Então o anjo negro desencravou a espada do chão, declinou o corpo em sinal de reverência, virou-se de costas, e subiu o primeiro degrau. Bateu o pé duas vezes no degrau, e este descolou-se do chão, subindo em direção ao buraco no céu. O anjo ficou parado no primeiro degrau enquanto a escada ia sendo sugada lentamente para dentro daquele buraco. As pessoas ficaram observando o anjo subindo para o céu, em grande silêncio. Assim que o anjo atravessou o buraco, o buraco se fechou, e as nuvens se afastaram, abrindo o céu e clareando novamente o dia.





~* Palavras que saíram da Boca *~