Mais uma segunda feira movimentada.
O centro da cidade estava lotado, como sempre. Pessoas para lá e para cá, cada
um seguindo a sua vida; conquistando seu suado e necessário dinheiro e status.
Um rapaz estranho veio atravessando a via mais
movimentada daquele centro, se alojando perto de onde um pessoal estava armando
umas barraquinhas para começar o comércio de artesanato. Era bem cedo.
Alguns passavam por ali e riam do rapaz, ele era
estranho até demais. Ele estava vestindo vários mantos. Não dava para saber se
eram vários mantos com exatidão, mas tinha vários panos um por cima do outro. Eram todos
coloridos. Junto aos panos havia algumas correntes, ou colares... Estavam tão
misturados que era até difícil dizer o que era cada coisa. Aquele rapaz estava
chamando mais atenção do que uma árvore de natal de shopping.
Ele tirou uns pedaços de madeira da mochila e os
pregou um ao outro, montando uma plaquinha. Depois tirou uns frascos de tinta e
começou a pintar a placa. Ele desenhou algumas estrelas, uns planetas, e
escreveu em letras grandes:
“Venham! Juntem-se a mim! Venham para a terra onde
podemos ser felizes sem medida.”
Depois ele cavou um buraco num canteiro de terra,
perto de uma árvore, e suspendeu a placa ali.
Logo em seguida ele tirou uma flauta da mochila,
sentou num banquinho que havia trago, e começou a tocá-la logo ao lado de sua
placa.
~*
Algumas pessoas passavam por ali chamando-o de
louco. Geralmente isso acontecia quando passava grupos com três pessoas ou
mais pessoas. Quando passava uma pessoa só, às vezes acontecia com duas também, eles
paravam e davam atenção àquilo que o louco estava fazendo. Sentiam curiosidade.
Os julgamentos pareciam inofensivos ao rapaz, ele
continuava tocando sua flauta alegremente. Dava para sentir a alegria ressoando
pelo som da flauta. Alguns animais das redondezas – pássaros e alguns gatos –
estacionavam perto do rapaz e ficavam por um tempo curiosamente repousando
ali.
O rapaz já havia tocado umas 5 canções, foi quando
um garoto jovem que deveria ter uns dezoito anos parou perto do rapaz e fitou-o
nos olhos.
- Ei – disse ele interrompendo o flautista.
O flautista, que estava de olhos fechados, abriu os
olhos e olhou para o garoto, sem cessar o som da flauta.
O garoto então disse:
- Você é um iluminado?
O rapaz deu um sorriso e tocou uma bela conclusão
na flauta, terminando a música.
- Uhum – disse ele encostando a flauta junto à
mochila.
- Suspeitei – disse o garoto. – Eu ouvi falar sobre
isso e andei refletindo e buscando. Quando olhei a placa sobre uma terra onde
podemos ser felizes sem medida, eu logo suspeitei. Então quando eu vi você
tocando, tão ali, presente... Nem parecia aqui no planeta... Eu tive quase
certeza.
O rapaz deu uma risada meio tímida, parecia
envergonhado.
- É – disse ele. – É bem por aí.
- Eu posso ser um iluminado também? – Perguntou o
garoto. – Já cheguei a pensar que é algo que só acontece a pessoas
escolhidas...
- Não, não é por aí não... – contou o rapaz. –
Qualquer um pode ser, sim. Eu era qualquer um, digamos assim... Então comecei a
buscar porque acreditei num rapaz que se dizia iluminado. Depois, ficando
sozinho cada vez mais, eu acabei compreendendo.
- E onde fica essa terra onde podemos ser felizes
sem medida?
- Fica bem longe daqui – disse o rapaz apontando ao
redor. – Bem longe... – reforçou ele. – A busca é justamente sair daqui e
chegar lá.
- Mas você está nessa terra?
- Sim, por isso sou iluminado.
- Mas como é possível? Você está aqui, como eu. Eu
não sou louco, estou te vendo aqui...
- Hum... – deixou escapar o rapaz, pensando um
pouco. – Olha, esse é o grande problema que faz acender a descrença nas
pessoas. Elas acham que só existe aquilo que os olhos estão vendo. Quando chega
um iluminado e fala sobre a terra da luz, ele sempre fala de algo que é
tangível, porém que os olhos não enxergam. Então as pessoas não acreditam nele
e perdem a oportunidade de serem verdadeiramente contentes e de viverem uma
experiência mágica.
- Você vê o meu corpo aqui, como o seu – prosseguiu
o rapaz –, mas eu não estou aqui onde o meu corpo está. Eu estou no mundo do
espírito. Uso este corpo apenas para me locomover neste plano. Eu não estou
aqui fisicamente falando, nesse lugar que os seus olhos estão vendo. A
iluminação é quando você conseguiu quebrar a barreira do físico e se libertar
dele. Então você é feliz. Você migra de uma experiência corpórea para uma
experiência universal. Você migra de uma experiência onde tudo o que existe é o
que os seus olhos estão vendo, para uma experiência onde tudo o que existe vai
além do campo das estrelas; vai além do alcance da visão do corpo humano. Você caminha
nesse corpo – disse apontando para o próprio corpo –, porém você tem o universo
inteiro para explorar. O corpo passa a ser só o seu automóvel. O espírito,
livre do corpo, está usando um volante para guiar o corpo. Você consegue
imaginar a diferença que é?
- Claro que sim – respondeu o garoto. – Faz muito
sentido... Eu fazia ideia de ser algo assim.
- Mas não pense que você pode sair do corpo – disse
ainda o rapaz. – Não, nada disso... Isso é babaquice. Seu espírito está
presente no corpo e não sairá dele. Porém, a visão do espírito livre do corpo
está além daquilo que o corpo pode ver. É difícil compreender assim, porque
esse tipo de coisa tem que ser vivida para ser entendida. Só a experiência faz
você compreender as coisas do espírito... Mas é bem por aí mesmo...
- Isso é bem doidão – comentou o garoto.
- É sim – concordou o rapaz com um riso. – Somos
todos loucos. Quer um biscoito?
~ * Palavras que saíram da Boca * ~
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