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terça-feira, 30 de julho de 2013

O lago espelhado e os ovos dourados


     O pequeno príncipe Arthur havia acordado muito contente nesta manhã, e como era de sua natureza, sempre que estava alegre ele inventava traquinagens.
     Arthur era impedido de fazer muitas coisas por ser o filho único do rei, mas com seu jeitinho esperto ele sempre conseguia fazer tudo o que queria e, apesar de ser tão vigiado, conseguia expor externamente uma liberdade invejável até mesmo para seu pai, o rei.
     Arthur estava muito eufórico neste dia, e não havia razões específicas que explicassem tal euforia... Ele simplesmente estava assim.
     Ele saiu de fininho do castelo para dar uma volta pelas redondezas do reino, e quem olhasse para Arthur sabia que ele estava procurando traquinagem. Arthur era um menino muito transparente, talvez por ter sido educado em maior parte por Merlim, ele não havia aprendido a arte da mentira e, devido a isso, não havia razões que o fizesse vestir uma máscara - o que ele sentia, o seu corpo exibia.
     E lá estava ele, andando pelos cantos do reino, com o queixo próximo ao peito, e o olhar fixo à frente; como um animal procurando a caça, só que neste caso o seu olhar exibia um brilho de alegria; ele parecia estar brincando, ou melhor, parecia estar procurando a brincadeira. Quem conhecia Arthur mais intimamente sabia que ele estava aprontando.

     Ele se aproximou do portão de saída do reino e ficou à espreita observando os guardas. Ele era impedido pelo pai de sair do reino, mas qualquer impedimento imposto de fora a Arthur se tornava um desafio instigante para ele, e ninguém sabia dizer - a exceção de Merlim, que mesmo sabendo não dizia - o porque dele ter nascido assim.
     Ele esperou a fileira de carruagens que chegava todos os dias pela manhã trazendo suprimentos, e, assim que os portões foram abertos para a entrada delas, ele retirou uma maçã que vinha carregando no bolso e arremessou-a no capacete de um dos guardas, que na mesma hora olhou ao redor confuso, e Arthur aproveitou a brecha para passar correndo por entre eles caminho a fora.
     Os guardas gritavam: "- Peguem esse menino!". Mas Arthur era um jovenzinho muito ágil e conseguia escapar facilmente.

     Se alguém perguntasse a Arthur o porque dele fazer tais coisas, ele não saberia responder; era divertido. Talvez essa fosse a única explicação.

     E então ele saiu correndo para fora do reino em direção ao bosque, com meia duzia de guardinhas cheios de armaduras atrás dele. Arthur corria sorrindo, ele vestia apenas uma manta - e uma bela manta branco e vermelho listrada - e achava muita graça em ver aquele bando de guardinhas correndo cheios de peso fazendo "tec, tec", sabendo que não conseguiriam de forma alguma alcançar Arthur, mas que ainda assim corriam apenas para cumprirem sua função, ou para pelo menos parecer que a estavam cumprindo.
     Arthur corria tanto, tanto, tanto, e era uma sensação tão boa estar longe de tantos empregados que o vigiavam dia e noite, que ele perdeu a noção da velocidade e, quando olhou para trás - ainda correndo - ele não conseguia ver mais ninguém, apenas árvores. Ele estava muito adentro do bosque e... PAFT! Arthur bateu de frente com um tronco e caiu duro no chão, desmaiado.

     Arthur acordou em um lugar frio. Logo ao seu lado estava Merlim, estendendo um roupão de pele de animal e dizendo: - Vista-o e venha comigo.

- Onde estamos? - Perguntou Arthur.
- Isso não importa agora. - Respondeu Merlim. - Apenas vista o roupão e me acompanhe.

     Arthur vestiu o roupão de pele (que alívio!) e acompanhou Merlim, caminhando às suas costas. Como sempre, Arthur estava admirado com o roupão que merlim vestia. Merlim não usava roupas normais, ele vestia pinturas! Ele parecia uma obra de arte que andava.
     Arthur foi acompanhando Merlim e observando o ambiente à sua volta. Eles atravessavam um lago por uma ponte de gelo, e o ambiente possuía uma tonalidade azulada, um azul marinho. O lago brilhava, e parecia um espelho perfeito. Não era possível enxergar um palmo para dentro do lago, apenas se via aquele reflexo perfeito. Arthur chegou até a questionar internamente se aquilo era mesmo um lago, mas ele sabia intuitivamente que não devia interromper Merlim agora. Apesar de Merlim estar apenas caminhando, alguma coisa dizia a Arthur que Merlim estava muito ocupado, fazendo algo muito importante.

     Haviam centenas de folhas de árvore douradas sobrevoando aquele ambiente, e elas brilhavam tão intensamente, que faziam um contraste muito belo com aquele azul todo. Elas pareciam vivas, pareciam estar dançando ao vento. 
     Arthur estava muito encantado com toda a beleza daquela visão, mas aquilo tudo parecia não significar coisa alguma para Merlim. Ele permanecia calado, com o olhar fixo no caminho, e caminhando em passos lentos em direção à outra margem.
     Arthur amava encontrar com Merlim. Ele sentia uma segurança inexplicável. Merlim podia dizer o que fosse, Arthur só sentia aquela segurança descomunal, como se tudo o que aquela criatura fizesse, fosse para o seu bem supremo, não importando se as palavras diziam "te amo ou te odeio".

     Aquele lago era muito estranho, ele oscilava de maré muito rapidamente, e repentinamente, as vezes tomando grandes amplitudes.

     Finalmente eles chegaram à outra margem. Era um lugar mais alto, centenas de metros acima do nível do lago. Nele haviam milhares, talvez milhões de ovos dourados, como ovos de galinha, só que bem maiores... Pareciam caber seres humanos ali dentro.

- Vamos sentar aqui e aguardar. - Disse Merlim sentando, e Arthur o obedeceu.
- Está vendo todos esses ovos? - Prosseguiu Merlim apontando para os ovos dourados.
- Uhum. - Confirmou Arthur, reforçando com um aceno de cabeça.

- São todos seres humanos. Você consegue observar como estão todos quietinhos e silenciosos ali dentro? - Arthur confirmou em gesto positivo. - Pois é - prosseguiu Merlim -, eles se sentem seguros ali. Eles sabem que será difícil sair da casca e, por isso, optam por continuarem ali dentro.
     Será preciso um baita esforço para saírem, para romperem a casca, e eles não sabem o que terá aqui fora, se será seguro ou não, e por isso não arriscam. Eles sentem medo de arriscar. Mas aqui é lindo, muito lindo, e lá dentro há apenas a casca do ovo. Aqui estamos livres, podemos passear e ir para qualquer lugar que quisermos, inclusive sair daqui.
     Os seres humanos acham que estarão seguros ali para sempre, mas eles não estão vendo o que há aqui fora. Há um lago imprevisível, que a qualquer momento poderá subir e carregar todos os ovos embora.
     Observe... Você está vendo aqueles três ovos prateados? - Disse Merlim apontando com os dedos, Arthur novamente confirmou com a cabeça. - Então, eles são os que decidiram arriscar e sair. Vamos fazer silêncio e observar.

     Os ovos prateados começaram a se balançar, tomando destaque naquela extensão gigantesca de ovos dourados. Eles balançavam para lá e para cá, pareciam desesperados, parecia que alguém lá dentro estava fazendo muita força. E então eles começaram a rachar. Primeiro saíram os braços, depois as pernas, a cabeça, e, por fim, toda a casca havia rompido.
     De dentro desses ovos saíram crianças muito belas. Seus olhos brilhavam, e elas emitiam uma luz muito forte. Elas pareciam surpresas com o que viam, toda aquela beleza à sua volta, e todos aqueles ovos dourados e opacos, que compreendiam seus familiares, amigos e colegas.
     As crianças se entreolharam e reconheceram umas as outras. Elas nunca haviam se visto antes, mas uma enorme conexão envolveu as três, como mágica. Elas deram as mãos, e caminharam juntas para a montanha que se encontrava distante do lago.
     Minutos depois, o lago repentinamente subiu centenas de metros, levando todos os ovos embora, não sobrando nenhum sequer. Apenas aquelas três crianças foram salvas da enchente, pois puderam caminhar para as montanhas a tempo.

- Arthur... - Disse Merlim em tom amigo. - Você é uma daquelas três crianças, mas você ainda está dentro da casca. Em algum momento de seu futuro, você irá procurar o amor, ou o amor procurará você, e então você começará a se debater. A partir daí você terá duas opções: seguir em frente e se debater com força - isso vai doer porque você baterá na casca diversas vezes até conseguir rompê-la -, ou virar as costas e se esconder novamente na casca. Acontece com todos, de um milhão apenas três escolhem o caminho doloroso.

     Arthur ficou sem palavras e então Merlim disse: "- É só isso.", e em seguida deu uma dedada com força no trapézio de Arthur. 
     Arthur acordou na enfermagem do castelo.

     Todos os seus familiares estavam a sua volta naquela salinha pequena. Logo que acordou, seus familiares vieram lhe perguntar o que havia acontecido.
     Arthur estava atordoado... Não conseguia prestar atenção a nenhuma palavra. O que tinha sido aquilo? Um sonho? Uma visão? Arthur estava confuso.

     Ele olhou pela janela de vidro que dava para fora da salinha, e lá estava Merlim com as duas mãos apoiadas em cima de seu cajado. Merlim deu um sorriso, piscou para ele, e em seguida desapareceu.




~* Palavras que saem da Boca *~

terça-feira, 23 de julho de 2013

O Manuscrito da Caverna


     O pequeno príncipe caminhava pela floresta... Ele andava um pouco triste e abandonou as tarefas cotidianas, saindo do castelo em direção à floresta. Ele saiu sem avisar a ninguém, e os mordomos ficaram preocupados. Noite e dia eles observavam o menino, assim como foram ordenados pelo rei, e não havia acontecido nada de novo em sua vida para que fosse explicado tal comportamento.
     O garotinho era vigiado também pelos guardas do castelo, que não o deixava sair sem a permissão do rei. Merlin - o mago do reino - havia construído um porão secreto no corredor dos quartos reais, logo atrás de uma estante de livros, e havia dito ao príncipe: "você será vigiado até se tornar rei. Atrás da estante do centro do corredor real, eu construí uma saída secreta que passa por debaixo do castelo, pelo subsolo, e sai lá fora, depois do muro que divide o reino. Ninguém sabe da existência dela, apenas eu e você. A construí para que você possa escapar quando sentir o vento da solidão, e com ele a necessidade de um tempo seu. É só você arrancar o livro "As Montanhas de Merlin" da estante e a porta se abrirá. Tome cuidado para que os guardas não o veja. Carregue o livro com você e coloque-o de volta assim que retornar ao castelo. Ele é nossa chave."
     O pequeno príncipe pegou a saída secreta e, durante um passeio pelo bosque, avistou uma caverna. Curioso, ele mergulhou escuridão adentro, e encontrou uma fonte de luz no fundo da caverna. Havia um pergaminho brilhante ali... Nele havia escrito em letra cursiva:


Abraça-te nos momentos de dor
Seja gentil consigo
A tristeza tem meu sabor

O poeta a muito cantou:
"Toda mágoa que passei
É motivo pra comemorar
Pois se não sofresse assim
Não tinha razões pra cantar"

Para fazer coisas diferentes
É preciso sentir coisas diferentes
Para realizar coisas grandiosas
É preciso passar por coisas grandiosas

Grandes alegrias acompanham grandes tristezas
Grandes saltos acompanham grandes impulsos

Para saltar bem alto, você tem que agachar bastante
Quanto mais baixo você chegar
Mais alto será o salto que conseguirá dar

Quando se está a muito no escuro...
No momento que a luz acende, a visão não enxerga coisa alguma
Quando se está a muito no claro...
No momento que a luz se apaga, a escuridão é ainda mais profunda

Para ver a luz, os olhos doem
Leva tempo para se adaptar

Você sabe que não é a toa
Já te mostrei a sua coroa
Confia em mim e no que eu lhe mandar
Você não tem olhos,
Mas com o meu cê pode enxergar.


O Manuscrito da Caverna                                


~* Palavras que saem da Boca

sábado, 13 de julho de 2013

O erro hereditário


     As pessoas cansavam de ouvir o mago dizer que o erro - a cegueira - era passada de pai para filho, como algo hereditário; e que ninguém era culpado, pois ninguém sabia que era cego... Como se ninguém soubesse o que estivesse fazendo.
     As pessoas não conseguiam compreender como isso era possível, como alguém poderia ser cego se enxergava, como alguém poderia passar a "cegueira" a alguém. Então perguntaram ao mago qual a explicação disso, e ele calmamente respondeu:

- Olha, é o seguinte: desde jovens, os pais que não enxergam - e quando digo "não enxergar", quero dizer apenas aqueles que não seguem a luz, que não seguem a orientação divina, que não se conhecem, que não sabem quem realmente são - conduzem as crianças a estarem sempre ocupadas, as preenchendo de atividades em uma rotina extensa. Isso as mantém sempre cegas, pois estando sempre ocupadas, elas não têm nenhuma oportunidade de parar e sentir a vida que habita nelas; de parar e ouvirem sua própria voz; de parar e seguirem sua própria orientação. Os pais acabam tornando-as viciadas em atividades. Elas não conseguem mais parar; a atividade se torna um hábito profundo. Os pais não são culpados, pois foi essa forma que eles aprenderam a viver. Vou explicar:
     Essas crianças que foram habituadas a estarem sempre ocupadas, vão crescer nessa mesma atividade constante, e quando estarem adultas, o hábito será tão profundo que se tornará parte do seu jeito de ser. Quando adultas, estarão sempre ocupadas. Estando ocupadas, necessitarão manter também as crianças sempre ocupadas, porque será uma boa forma de mantê-las seguras, pois não têm mais tempo de vigiá-las com atenção. Você consegue visualizar junto comigo um ciclo eterno? A criança é guiada pelos pais a estarem sempre ocupadas - essas crianças se tornam adultos ocupados - e ensinarão seus filhos a estarem sempre ocupados também. Não há nenhuma brecha aí, é um ciclo eterno. A vida se torna robotizada, as pessoas estão sempre com seus dias contados: de segunda a domingo elas estão embutidas em atividades. Elas sabem tudo o que vão fazer em seu futuro, em cada dia de seu futuro; tem gente que sabe até o que fará em cada dia do ano.
     A verdade não é assim, quem enxerga não pode viver assim, pois esse estilo de vida é apenas um sinal de que as pessoas não estão vivendo em verdade. A verdade é nova a cada dia, ela está sempre se renovando. Ela é um pouco imprevisível, mas ela é perfeita. E não é nada demais, você não precisa fazer nada, não precisa quebrar sua rotina. Numa vida em verdade, é o espírito da vida que guia você, e ele te guia pra um bem estar cada vez maior, um bem estar absoluto, uma eterna crescente.
     Esse estilo de vida rotineiro, constante, sempre em atividade; é o que gera o stress pessoal, e é um estilo de vida que caminho ao declínio. É um estilo de vida onde quanto mais você vive, menos saudável e pleno você se torna, porque você está sempre lutando por algo, para continuar. É um estilo de vida decadente, e todos continuam seguindo ele, mesmo ouvindo uma intuição distante que as diz: "eu adoraria descansar". Elas têm medo de seguir essa intuição, pois acham que vão cair num buraco. Não, não!!! É preciso ouvi-la, pois ouvindo-a descobriremos algo magnífico! A vida não é assim, não é luta, não é declínio -
 a vida é uma crescente. Quanto mais a vive, mais rico, mais pleno, mais belo, mais descansado, mais preenchido você se torna. Mas isso só real quando a vida é vivida em verdade. Vivida de acordo com seu próprio espírito.
     Como eu ia dizendo, é algo muito simples; você não precisa se retirar do mundo e ir pras cavernas, e ir pra selva. Não, nada disso. Isso também não é real, pois será novamente você atrás de mais atividades. Em verdade, é o espirito quem guia, nós nos tornamos apenas seguidores conscientes dele. E há pura alegria nisso, pois sabemos que ele está nos levando pro pico da vida! Pro pico da alegria! Nos levando a concretizar o nosso propósito espacial, nosso propósito divino. Nos levando a concretizar aquilo pelo qual nascemos.
     Para realizar isso, é de verdade algo muito simples. É preciso apenas dar pequenas pausas em sua constante atividade - tanto quanto física, e talvez principalmente mental (pois o corpo para, mas a mente continua) - e ouvir a sua própria voz, a voz da vida, a sua luz. E fazemos isso apenas sentindo a vida que nos habita; nossa energia, o movimento interno. É algo muito simples. Com essas pequenas paradas de escuta, a escuta vai se tornando mais viva, e então o espírito começa a nos guiar naturalmente. Ele vem, não é nós que vamos a ele. Essas pausas abrem espaço para que ele venha. É na verdade algo muito simples, não há complicações... pequenas paradas e você se torna divino.
     Isso só não ocorre na vida em geral, porque as pessoas aprenderam a estarem sempre ocupadas. Não há mais tempo para ouvir a vida, para ouvir o divino, para ouvir sua voz; sua orientação que te leva para o alto, para a plenitude. Mas é na verdade algo muito simples. O problema é só essa prisão nas atividades.



~* Palavras que saem da Boca *~